No filme revejo sempre a entrada do Sherif Ali ibn el Kharish, que se transforma de ponto negro no horizonte, em belíssimo beduíno que monta um camelo com uma soberba rahla e seus pendentes. Magnífico.
No filme revejo sempre a vontade indomável de Aurens, independentemente de tudo.
Depois vieram as leituras, muitas e variadas, entre as quais os 'Sete Pilares da Sabedoria' que, na sua origem, foi o nome que Lawrence deu a uma rocha no deserto e, mais tarde, aproveitou para intitular as suas memórias.
O Wadi Rum estava guardado há muitos anos na minha lista de viagens e não me decepcionou.
Quando andava no 9º ano de escolaridade, na disciplina de Educação Visual, foi-nos pedido que nos organizássemos em grupos e que desenhássemos uma cidade. Penso que fui a última pessoa a ser escolhida pelos grupos que iam auto-organizando, devido ao facto de ser a mais inapta para desenhar sequer um risco. Mas lá me encaixaram.
As cidades iam ganhando expressão ao longo do ano, com hospitais, escolas, estádios de futebol, prédios e tudo o mais que nos lembrávamos ser normal nas urbes. Eu por ali andava a dar ideias mas só agarrava nos lápis quando os meus colegas me pediam para os afiar. Tentávamos não mostrar aos outros o que andávamos a fazer criando expectativa e esperando sermos os melhores. No final, a professora elogiou todas as cidades, mas disse que faltava uma coisa muito importante que ninguém se tinha lembrado: as cidades tinham que ter um nome.
Saltei do banco alto onde nos sentávamos nas aulas de EV e disse que a nossa cidade tinha nome, sim, chamava-se Aqaba. Os outros grupos foram honestos e disseram que se tinham esquecido. A professora deu mais atenção à minha espontaneidade do que ao ar intrigado dos meus colegas de grupo e perguntou-me porquê. Senti-me encher de importância ao explicar que desde o primeiro dia pensara na cidade com aquele nome em honra de Lawrence, um militar inglês, aventureiro, que tinha conquistado Aqaba atravessando o deserto e chegando à cidade de forma inesperada.
Ninguém se interessou muito pela minha explicação, porém, a professora disse que era a diferença que a fazia escolher a nossa cidade de entre as outras e considerá-la a melhor.
Eu nem queria acreditar que os meus colegas me pegavam ao colo e faziam uma festa comigo, com quem andaram o ano inteiro a implicar.
Tenho cópias dos cartazes originais de promoção do filme, uma fotografia de Lawrence no meu gabinete de trabalho e fotografias da sua túnica, tiradas em Londres num Museu. Há pouco tempo, em São Paulo, comprei mais um relato, em brasileiro, da vida deste herói, com imagens que nunca tinha visto.
Ia connosco um garoto catalão, Oriol, que se protegeu do sol debaixo da tenda da imagem e, ao aceitar o convite dos beduínos para beber chá, e perante as gargalhadas do meu filho, afirmou que estava muito quente e se lhe podiam dar umas pedras de gelo...
Perdoámos-lhe a citadinidade devido à sua pouca idade...
Enquanto lá estávamos lembrei-me do filme, é claro, mas lembrei-me sobretudo da pessoa, daquele homem a quem o destino tornou imortal; vi aquele labirinto de rochas e areia, onde é facilíssimo perdermo-nos, e que ainda hoje serve a propósitos menos humanitários; vi séculos de vida em condições extremas e no entanto emoldurada por uma paisagem bela e inesquecível.
Já tinha estado numa ponta do Sahara mas o calor nunca me tinha entrado tão fundo na garganta, nunca o tinha sentido a entrar-me na pele como no Wadi Rum e eu pergunto-me: Seria o calor ou a História?
O meu filho subiu gigantescas dunas encarnadas que pareciam pintadas à mão e cujo contraste com o céu azul era deslumbrante.
Petra era o ponto alto da viagem para todos os que íamos encontrando e com quem íamos falando. Não obstante ter considerado a cidade uma obra prima e nela me ter deslumbrado, o Wadi Rum foi o meu 'momento' na viagem à Jordânia.
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