segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A desilusão de Hugo


Sacha Baron Cohen é Crabtree, o polícia de Alô, Alô.
Asa Butterfield, Hugo, é Quasimodo que não se cansa das vistas sobre a cidade de Paris e quer ser Harold Lloyd ou Chaplin em Tempos Modernos.
George Meliés é Martin Scorsese, himself, e o filme é uma birra do realizador, num acto de comiseração por si próprio, ó p’ra mim, já fiz nascer taxistas e gangues em Nova Iorque!
Das referências às colagens vai toda uma falta de imaginação e criatividade que, mesmo assim, o lobbie de Hollywood premiou, como quem dá uma fatiazinha de pudim ao ancião lá de casa.
A acção é parada e paradinha, abrem-se bocas ao longo da sala na plateia e não se percebe quem inventou o título com uma invenção não inventada.
Ben Kingsley assume os passos dum fantasma, sombra esbatida da sua capacidade de representação. A personagem de Rene Tabard entra na narrativa a martelo, da mesma forma que entraria a roupa interior numa escultura em pedra já terminada.
A magia do cinema aqui é substituída pelo tédio do cinema: as boas intenções não têm espaço por não terem corpo e a apologia que se quer fazer (ao cinema ou a si próprio?) não ganha músculo nem osso.
O eterno Drácula, que já tinha sido o mauzão Saruman, veste-se de Bibliotecário bonzinho, na única ligação com sentido que a substância do filme consegue fazer, criando invisibilidades bem visíveis, cruzamentos subtis e ironias.
Os efeitos especiais das subidas e descidas de Hugo no meio dos mecanismos dos relógios, as imagens da biblioteca ou o cemitério à porta de casa de Meliés estão bem esgalhados, mas um filme não é feito de dois de três momentos, caso contrário fica mais órfão que o pobre Hugo que, enquanto filme, está cheio de osteoporose.   

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Dama de Ferro


No cinema há encanto, deslumbramento, lágrimas e gargalhadas. A tela é uma farmácia de emoções com mensagens, paisagens, imagens e tudo o que se queira, literalmente tudo.
Há argumentos e efeitos especiais, guarda-roupa e maquilhagens que nos trazem o passado, o presente, o futuro, a imaginação feita realidade, a invenção, a descoberta, o homem das cavernas e o futurista.
Há pontos de vista dados pelos realizadores, há grandes planos e cenas impossíveis de repetir tal é a sua grandeza. E há interpretações.
Quando consideramos Christoph Waltz um portento que consegue reunir numa só personagem a complexidade da natureza humana em Inglourious Basterds, ele é suplantado por Christian Bale cujos poros da pele respiram a encarnação perfeita que fez em The Fighter.
Mas quando se pensa que o atleta já superou todos as metas, quando se pensa que já não há recordes possíveis a bater, tal a altura do desafio, somos confrontados com o nosso próprio silêncio perante o inimaginável.
Para os adeptos dos prémios, há interpretações para as quais devia ser criado um novo tipo de distinção, celestial, augusta, pois acima de Oscares, Baftas, Ursos, Leões, Globos, Grammys, Emmys, Césares, Palmas e de qualquer tipo de premio ou medalha está o Nirvana, perante o qual nos ajoelhamos sem necessidade de dizer seja o que for. 
E o Nirvana chama-se Meryl Streep. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O preço da morte


Vi o programa Olhos nos Olhos. Foi um belíssimo exemplo de como os lobbies funcionam bem. 
Não se mencionou se a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi convidada e declinou o convite ou se nem foi sequer convidada. Bateu-se na tecla do costume-se, banalidades, caça à multa, álcool, etc. 
Aquilo que podia ter sido um excelente programa de verdadeiro jornalismo e informação mostrou-se uma sucessão de lugares comuns, já do conhecimento dos telespectadores, o que levou a que muitos se congratulassem com o facto de na televisão se dizer aquilo que já se sabe. É a Casa dos Segredos reformulada.
Falou-se em mortes, pois claro, em prevenção, em cartas de condução tiradas a troco de influências, em escolas que não dão aulas, mas recebem o dinheiro, com certeza. Sobre este aspecto o Dr. Carlos Barbosa disse que contra ele falava. Ora não é bonito nem fica bem falarmos contra nós: bonito e sério é podermos dizer que nos distinguimos dos outros nas atitudes e comportamentos, coisa que não se verificou, antes pelo contrário: existe a onda e deixamo-nos ir, embora saibamos que vamos em sentido proibido. E mesmo assim afirmamo-lo na televisão! Desta forma deixa-se a credibilidade numa rua sem saída…
Depois há a questão dos cintos: há quem os use e quem não os ponha e sorria dizendo isso mesmo, brincando às escondidas com a seriedade que, aparentemente, leva de braço dado.
Não se ouviu falar do custo social dos acidentes. Ninguém se sentiu abanado em momento algum pelo facto de toda a sociedade estar envolvida nesses mesmos acidentes por via da utilização de hospitais, das estradas, dos tribunais, das ambulâncias, dos funerais, dos advogados e peritos, das polícias e das entidades fiscalizadoras, que me conjunto perfazem o preço da morte, uma vez que o preço da dor não é calculável.
O Dr. Medina Carreira encontrou o Dr. Carlos Barbosa num restaurante e convidou-o para o programa. Espero que pelo menos a refeição tenha sido boa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Desculpa...

A meio da tarde o telefone tocou em ruído de dor, tristeza e dívida.
A mãe de uma amiga de vida acabava de ser sepultada e ela ligou-me trespassada pela solidão da perda da mãe que, em simultâneo, era a sua melhor amiga. Trocámos lágrimas. Tentei abafar o tom de voz com que lhe perguntei porque razão não me tinha dito nada, esconder a raiva da minha inutilidade. Ela alegou com as complicações da minha vida e que não queria que me pusesse a caminho do Algarve, coisa que sabia que eu faria no minuto em que soubesse do estado da mãe dela.
Doeu-me profundamente não ter estado com ela; fiquei numa tristeza profunda e sinto que a minha dívida para com a M. aumentou. Aumentou porque ela me poupou, aumentou porque não estive presente, aumentou porque me sinto mal até de pensar que enquanto ela andava com o coração estilhaçado eu, ignorante, dei garantidamente umas boas gargalhadas.
O que tem uma coisa a ver com a outra, se eu não sabia? Tem tudo: ela é minha amiga e estava mal e eu não fiz nada. Nas contas do universo não há motivos, há acções. E eu fiquei parada.
A voz dela a dizer-me que se sentia sozinha, que tinha acabado de chegar a casa depois do funeral e que precisava de ouvir a minha voz, deixou-me de rastos, enlameada em lágrimas sólidas.
Penso nisto e, inevitavelmente, revejo algumas supostas amizades, pessoas que se cruzaram comigo ao longo da vida. Mais, penso que há uma qualquer questão genética que se atravessa no nosso caminho. Explico o nosso:
Há muitos anos atrás os meus pais ofereceram-se para albergar a filha dum amigo lá da terra cujo futuro na aldeia não existia. A rapariga, Eva, veio para nossa casa, inscreveu-se numa escola de dactilografia, arranjou emprego num supermercado, começou a namorar, fez aumentar o número das nossas visitas à aldeia, para matar saudades da família. A vida corria com normalidade, ela marcou o casamento, que devia ocorrer na aldeia e, semanas antes, foi para lá preparar a boda, deixando em Lisboa uma casa já arrendada e pronta para virem morar, casa essa que os meus ajudaram a arranjar e ajudaram a pagar. Surpresa das surpresas, não convidou os meus pais para o casamento.
O pai dela deslocou-se a Lisboa de propósito, chorando desculpas, e dizendo não saber a razão do sucedido pois, ao longo dos anos, ela nunca manifestara um desagrado para connosco, nunca mencionara um mal-estar ou fosse o que fosse. Agora, apenas dizia que não nos queria convidar e o pai, qual Egas Moniz, ali estava em pranto, sentindo que tinha que agradecer o que fizeram por ela e pedindo desculpa por uma atitude que ainda hoje enferma de explicação. Não tenho a certeza, mas penso que o pai não foi ao casamento como forma de manifestar a sua posição pelo comportamento irracional da filha, numa altura em que a honra dum pai de família era mais visível que um vestido de noiva com cauda.
Anos mais tarde, era eu adolescente, embirrava solenemente com as amigas da minha prima lá da aldeia, que se interessavam por maquilhagens, vestidos e saltos altos, enquanto eu mergulhava num livro e só com dificuldade é que me tiravam de lá. Apenas uma daquelas amigas me merecia uma conversa e tempo que não dava como perdido. Ela era meia dúzia de anos mais velha que eu e no dia que me disse que adorava morar em Lisboa eu abri-lhe a porta da nossa casa, sem informar os meus pais, nem a minha prima.
Achei que havia uma dose de aventura em, quando estávamos a pôr a bagagem no velho Ford Escort, dizer que ela vinha connosco e metê-la no carro. Na altura não se contabilizavam passageiros e os meus pais fizeram a viagem até Lisboa quase em silêncio, com a minha irmã, a minha prima, que já vivia connosco, eu e a nova inquilina no banco de atrás. Garanti-lhes que seria por uns dias, só até eu lhe arranjar emprego e uma casa para ela morar.
Não posso dizer que os meus pais estivessem furiosos ou nem mesmo descontentes, estavam aborrecidos por eu não ter dito nada e terem sido apanhados de surpresa.
Ela acabou por ficar meses na nossa casa, embora na semana seguinte já estivesse a trabalhar, depois de eu me ter desengonçado para lhe arranjar qualquer coisa para fazer. O trabalho era numa fábrica de bonecos de peluche que funcionava ilegalmente a menos de um quilómetro da nossa casa, mas não pagavam mal. Ainda não tinham passado seis meses e já ela morava num quarto arrendado, que consistia num sótão maravilhoso que hoje custaria uma fortuna. Apesar disso, e estando nós ali de vizinhas, eram mais as noites que ela ficava em nossa casa do que as noites que ficava no quarto alugado.
Porém, o esplendor da capital levava-a com frequência a fazer gastos bem acima das suas possibilidades e lá estavam os meus pais a emprestarem-lhe dinheiro e a darem-lhe conselhos.
Começou a namorar com um rapaz que, dizia-se, andava metido na droga. Na verdade, não era assim, as pessoas apenas não aceitavam bem quem tinha diferentes hábitos de vestuário e poses um tanto ou quanto futuristas e acabavam por meter tudo no mesmo saco. Mesmo com a fama que tinha o meu pai recebeu-o inúmeras vezes na nossa casa, dando-lhe almoços e jantares. Ao longo dos anos, mudou de emprego várias vezes, sempre para melhor, mantivemos um relacionamento amigo, recebendo a família dela na nossa casa quando a vinham visitar, pois o sótão era maravilhoso, mas não espaçoso.
Nunca percebi porquê, mas aconteceu exactamente a mesma coisa que tinha acontecido com a Eva: foi casar na aldeia e não convidou vivalma da nossa família, nem a minha prima, sua amiga desde sempre. Nunca mais nos falámos. Encontramo-nos muito de vez em quando nas festas da aldeia, mas é como se não nos conhecêssemos.
Foi a primeira vez que uma amiga me partiu o coração.
Muitos anos mais tarde, já a trabalhar, e depois de anos de convívio e amizade diários, voltei a sentir a mesma dor: a dor de constatar que a amizade não era verdadeira, mas antes falsa, hipócrita e ciumenta.
Depois disso, mais recentemente, fui apelidada de mentirosa por ser honesta em assunto delicado, numa atitude que me chocou e me fez dar ainda mais valor às amizades que tenho como sólidas, indestrutíveis, à prova de bala. O último caso atingiu uma gravidade da qual inicialmente não me apercebi, pois uma amiga comum, deixou literalmente de me falar, embora me escrevesse a dizer que tinha saudades minhas. Imagino as conversas que terão acontecido…
À excepção da Eva, cujo episódio aconteceu comigo muito criança, procurei todas as pessoas envolvidas, sem excepção, perguntando-lhes a razão dos seus comportamentos. Pude agir assim por ter a consciência tranquila e descansada, embora envolta em interrogações. Quem tivesse telhados de vidro, não o faria.
Nunca obtive resposta à altura, de algumas não obtive sequer resposta nem por telefone, nem por escrito, o que aumenta a hipocrisia do envio de mensagens a anunciar as saudades que sentem. Devia ter sido engano…
Não consigo deixar de pensar em todo o tempo que gastei com estas pessoas, no desperdício acumulado.
Entendo os amigos verdadeiros como grilos falantes que devem apoiar, é claro, mas também devem avisar, aconselhar, alertar e dar na cabeça quando merecemos. Aquela conversa de eu não me meto na vida dos meus amigos, comigo não serve: os meus amigos fazem parte da minha vida, logo, eu quero ouvi-los, quero que me abram novos caminhos, que me mostrem perspectivas que eu não estou a alcançar, curvas da vida que não estou a ver, que me iluminem o caminho e que sejam duros comigo se assim o entenderem. Os amigos verdadeiros são os pais que nós escolhemos, aqueles de quem queremos ouvir a opinião, o conselho, cuja voz nos acalma e ajuda.
Se forem amigos só para fazer farras, só para dizerem o que nós queremos ouvir, sempre a dizer que somos os maiores, que todas as nossas atitudes estão correctíssimas, então temos que lhes dar outro nome, não Amigo.
Conheço a M. quase há vinte anos. Quase há vinte anos que a considero uma das pessoas mais fortes que existem, mais determinadas. Quase há vinte anos que me sinto segura com a companhia dela, ou, quanto mais não seja, com a sua lembrança. Quase há vinte anos que me ouve, que com ela partilho alegrias e tristezas. Há quase vinte anos que me confronta com realidades que por vezes me são penosas, mas ela tem a coragem de chamar os bois pelos nomes. Há quase vinte anos que me doem as dores dela e sei que ela sofre com as minhas. Há quase vinte anos que ela me dá tanto de si que me sinto sempre em dívida para com ela.
Por tudo isto e muito mais sinto-me um traste por ter dado o mesmo tratamento a outras pessoas, chamando-lhes amigas. Sinto-me uma idiota total por ter parado dois minutos a pensar, quando me disseram eu dei-te tudo, tentando alinhar esse tudo que, comparado com a mera presença da M. na minha vida, não é nada.
Sinto-me como um cigarro na mão de certas pessoas: aspiram, queimam e deitam fora. Enquanto a M. é a planta do tabaco em si, sempre antes de ser colhida, verde e bela, resplandecente e cheia de vida, sinónimo de vício sim, mas vício bom, vício que conforta, vício que aquece, sem sombra de cinza.
A mãe da M. morreu e eu não estive com ela. Só me apetece chorar de raiva e, por ora, não me consigo perdoar.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Com um brilhozinho nos olhos

O meu apetite por gelados é permanente. Com muita frequência compro um no quiosque dentro da estação de metro e vou a comê-lo durante o percurso.
Com o frio que se tem feito sentir nos últimos dias, de pauzinho na mão, chamo mais a atenção do que se fosse vestida de gladiador.
As reacções variam dos oito aos oitenta: os miúdos lambem-se a olharem-me, os jovens deitam miradas invejosas com o rabo do olho e as pessoas mais velhas fixam-me como se fosse maluquinha e algumas resmungam palavras imperceptíveis na audição mas perfeitamente clara na intenção.
Ontem, a meio das lambidelas num suculento magnum de amêndoas, sentou-se ao meu lado e diante de mim, uma família: pai, mãe e filho, com cerca de 8 ou 9 anos.
O garoto, mesmo à minha frente, não tirava os olhos do gelado. A mãe fez-lhe sinal para não ser tão evidente e para desviar o olhar. O miúdo ainda começou a contar as paragens que faltavam para saírem e a ler os nomes das estações, mas os olhos fugiam-lhe para o chocolate com pedacinhos de amêndoa e a boca dava sinais inequívocos que comeria o gelado numa só dentada se o deixassem. De repente disse:
- Mãe, ficamos doentes se comermos gelados no Inverno, não é? Ela vai ficar doente!
A mãe olhou-me a sorrir, como quem pede desculpa e virou-se para o garoto com cara de quem lhe ia dizer qualquer coisa, quando ele acrescentou com ar de confidência:
- Não te preocupes, os portugueses não comem gelados agora, ela é estrangeira de certeza e não percebe…
Sorri e disse-lhe que adorava gelados e só tinha pena de naquele momento não lhe poder dar um a ele. O garoto arregalou os olhos perante a minha fluência em português, os pais riram-se e a mãe incentivou-o a pedir desculpa e lá nos entretivemos em debate sobre o motivo pelo qual ele devia pedir desculpa, nenhum na minha perspectiva.
O rapaz perguntou-me o nome, a idade e o que fazia e eu fui respondendo no meio de grandes sorrisos, embora manifestasse a minha tristeza por ele não saber o que é uma bibliotecária. Ainda assim, acho que fiz um amigo e como diz o Sérgio, coisa mais preciosa no mundo não há.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Conversor de sensibilidade, precisa-se

Já passa das sete da tarde na estação de metro do Marquês de Pombal. A senhora ostenta uma pele fofa e flutuante em volta do pescoço, cabelo lilás e aproximadamente 80 anos. Tem as rugas ainda mais vincadas que o costume e pergunta ao segurança do Metro se ele ‘é dali’.
Com cara de quem teme o que ai vem, o segurança responde que sim.
- Então e o senhor acha que quase seiscentos escudos por uma viagem de ida e volta é justo?
- Minha senhora as máquinas não aceitam escudos, só euros.

Guia de Sobrevivência a Zombies e outros animais

No quiosque onde costumo comprar cigarros e revistas guardam-me sempre as publicações que trazem livros, mesmo que não seja meu hábito comprá-las. É o que está a acontecer com a Sábado que, não obstante, costumo deixar em cima do balcão da Biblioteca assim que entro. Mas este exemplar em particular trazia na capa ’22 alimentos que fazem perder peso’ e, curiosa, fiquei com ele e levei-o para casa.
A revista é eclética pois dá para rir e para chorar.
Uma das notícias diz que um leão, num zoológico na Indonésia, fugiu da jaula e matou um camelo. Continuo a rezar para que o camelo fosse de duas patas.
Afirma-se que George Clooney terá dito, em plena 2ª classe, que cometera adultério, pensando que se incriminava do crime de agir como adulto. Destaco esta informação pois há muitos anos, estávamos nós de férias no Alentejo quando a minha irmã, com sete ou oito anos disse exactamente a mesma coisa, o que ainda hoje nos faz delirar a nós e lhe provoca um sorriso amarelo a ela.
A China proibiu a venda de hímenes artificiais e agora só se podem comprar no mercado negro. Não informam onde se pode comprar Verdade ou Honestidade. Seguem-se os tais 22 alimentos que ajudam a emagrecer – mas deve ser aos outros porque eu como-os mas eles não ajudam nadinha…
No suplemento Tentações a capa estraga o trabalho dos ditos 22 alimentos e está cheia de baguetes de pão, muito pouco suculentos quando se quer atrair para os melhores pães de Lisboa e do Porto. Mas no interior compensa-se com imagens de diversos pães que apetece dentar mesmo em papel.
Mas o ponto alto da revista, aquilo pelo qual deve ser realmente comprada e, quiçá, idolatrada, é pelo conteúdo da página 23 das Tentações, cujo título diz: ‘O que fazemos se formos atacados por zombies?’
Face a esta possibilidade ficamos a saber o que fazer em caso de luta corpo a corpo, como usar o fogo ou proteger a casa, com o que devemos encher a despensa e ainda nos aconselham a destruir escadas e a não usar roupa larga e este tema, aqui num resumo resumido, pode ser aprofundado no livro Guia de Sobrevivência a Zombies de Max Brooks.
Para além de Max Brooks estar de parabéns – o livro foi dos mais vendidos em 2011 nesse planeta que dá pelo nome de Estados Unidos da América – provou também, precisamente com o número astronómico de vendas, que os zombies atacam totós, e atacam das mais variadas formas: comem-nos e contaminam-nos e, espertalhões hem?, vão-lhes à carteira.
Quem não percebeu que compre o livro.
Mas... e se... uma vez que Max se deu a este trabalho e se o aproveitássemos para outros zombies? Ouvi dizer que zombie também significa Governante e assim, seguindo as dicas de Max, devem evitar-se as lutas corpo a corpo: é fugir, é fugir, mas em caso de confronto utilize paus ou uma pistola.  Por outro lado, só através da incineração os zombies desparecem de vez, mas cuidado pois um animal destes em chamas continua vivo, como bem sabemos de certas e determinadas pessoas que parecem mortas mas, vai-se a ver e afinal ainda estão p'ras curvas e a quererem morder.
A questão da protecção da casa, muito importante! Mesmo que nos barriquemos devemos lembrarmo-nos que os zombies não se cansam e podem ficar dias e meses aos encontrões à porta. Alguém duvida?
Só há um pormenor que me fez confusão: as escadas. No artigo diz-se que os zombies não sabem escalar e por isso devemos destruir as escadas. Errado! Sabem escalar e bem! Sobem de todas as formas e feitios, ultrapassam-se e pisam-se se for preciso, e pelo caminho engolem-se, deglutem-se e vomitam-se.
E nós, se sobrevivermos, temos que limpar os restos da contenda.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Os meus livros, meus, mesmo meus...

Estou a fazer livros para oferecer aos meus sobrinhos. Escrevi a história, que é a mesma para todos, mas a edição será diferenciada, face às idades: um bebé, uma jovenzinha com sete enormes e sabidos anos e um pré-adolescente, quase adulto!, com nove anos.
Escrita a história, impunha-se a compra do papel.
Na Casa Ferreira encontrei algumas coisas das que tinha em mente, mas falta-me um tipo de papel que dê a imagem de farrapo. Tendo a certeza da existência do dito, baixei à Baixa e entrei na Papelaria Fernandes, esse marco, cujos preços também são em marcos, comparados com os da Casa Ferreira.
A PF pode ter desde 1891, como diz a publicidade, pode comercializar mais de 20 mil artigos, mas tem e comercializa mais caro.
O papel que comprei custou-me três preços diferentes: 30, 35 e 40 cêntimos e na PF não há confusões, é tudo a 50 cêntimos…
Ainda assim, no meio de 20 mil artigos, não tinham o papel de margens esfarrapadas…
A vida de Editor é difícil.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Boas reclamações

A idade avança e os especialistas médicos multiplicam-se. Esta semana fui ao cardiologista, ver a máquina, como diria o meu pai.
Marcam-se as consultas, os exames de rotina, vamos fazer as análises, ninguém nos avisa que temos levar o xixizinho, voltamos no dia seguinte com a pipeta, ou lá como se chama o tubinho, já com código de barras, que corresponde ao nosso nome mas em linguagem de laboratório, enfim, um controlo sobre nós próprios, uma preparação, que mesmo que seja espontânea e de prevenção, é chata que nem um prato de estanho.
A consulta para o cardiologista foi marcada para às 15.50h. O meu nome foi apregoado pelo sistema de altifalantes da clínica às 16.50h.
Entrei no consultório do doutor, como diz o Duarte que não usa o nome ‘médico’ não sei porquê, o que dá um ar estranho às conversas, fui ao doutor dos olhos, e fiquei parada diante dele. Estendeu-me a mão cumprimentando-me, sem me olhar, e disse-me que me despisse da cintura para cima para que me fizesse um ecocardiograma.
Fui tirando o casaco devagar e disse:
- Não me leve a mal, mas esperava um pedido de desculpa…
Parou de mexer na maquineta, levantou os olhos e perguntou porquê.
- Porque fui chamada uma hora exacta depois da hora a que estava marcada a consulta e penso que um atraso desta natureza merece um pedido de desculpa.
- A sério? Uma hora?
A pergunta foi acompanhada por um confirmar no computador que revelou que eu tinha razão.
- Tem razão… e quando as pessoas têm razão não há nada a dizer a não ser pedir desculpa. Aceite as minhas desculpas.
Nesta altura já eu estava de maminhas ao léu, com os resquícios do bronzeado da época de 2011 à luz fluorescente do gabinete, o que conferiu à cena um ridículo que me fez rir: ali estava eu meia nua, com cara de má diante de um homem que pedia desculpa de uma forma que não dava azo a mais reclamações.
A consulta continuou com a realização do exame, com muitas perguntas pelo meio, se me sentia mal, se tinha dores, se pensava que todos os médicos eram atrasados por natureza. Respondi não às duas primeiras e sim à terceira: os médicos, na sua maioria, demonstram um total desrespeito pela vida extra-consultório dos pacientes; pensam que a necessidade é unívoca, quando é bem biunívoca.
A par da letra, os atrasos, são uma espécie de assinatura dos senhores doutores médicos, quais reis no Olimpo da falta de saúde e cujas duas palavras, mesmo tortas, parecem bálsamos para nós. Temos que lhes fazer ver que não é bem assim…
Discursava eu a todo o vapor quando ele diz:
- Acredite que sou todo ouvidos… estou a registar cada palavra.
Disse esta frase a sorrir sem que o sorriso me parecesse irónico, pediu novamente desculpa e afirmou que ia pedir que as consultas fossem marcadas com um intervalo de tempo maior para que não se registassem atrasos. Agradeceu-me a reclamação com uma frase que o pai do Duarte costumava usar:
- As boas reclamações fazem os bons serviços.

Círculo de Ferro


Pontes, círculos, ligações
Nascem, crescem, ganham raízes
São cicatrizes
Projectos de Afectos
São as nossas origens
Ontem, filhos, pais, hoje avós
Amanhã, somos nós!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Dia de raiva

Dia de greve equivale a toque de despertador a meio da noite para poder levar o carro sem apanhar trânsito. Ainda é de noite quando tomo o pequeno-almoço no café da esquina. O empregado conta que ontem à noite se deu um crime violento na caixa multibanco ali ao lado: uma mulher foi assaltada de esticão; um homem ia a passar e quis ajudá-la. Foi brindado com um tiro no peito e morte imediata. A assaltada, para não ficar com inveja, também foi agredida e deu entrada no hospital em estado grave.
O incómodo causado pelo madrugar, em função da greve, transformou-se em vómito por esta sociedade, que é como quem diz por estes comportamentos, sobre os quais ainda ontem falava no Horas Extraordinárias, dizendo que a morte está tão banalizada que não me espanta que a ela se recorra, como quem muda de meias.
O valor da vida atingiu mínimos históricos, o respeito pelos outros é sentimento de museu e nestas alturas não me venham falar em prisões e em recuperação de pessoas pelo sistema: um barco sem fundo no alto mar, era a expressão e o remédio que o meu avô preconizava para estas situações.
Mas a questão fundamental é que no tal barco não podiam seguir só os assassinos, não senhor, tínhamos que ir nós também, que a meio desta manhã já esquecemos a história e achamos normal que à noite se volte a repetir.
Neste Inverno sem chuva e com muito frio, vestimos a capa do medo e nem a tiramos para dormir, e pedimos aos deuses que estas coisas aconteçam aos outros, cientes que continuarão a acontecer, sem esperança de mudança, submissos na falta de lei e na podridão da grei, engolindo os receios com voltas extra na chave que pende na fechadura da porta, coração aos saltos quando pensamos que nos podem entrar pela janela.
À imagem do país em geral, da justiça, da educação, da saúde, perguntamo-nos como chegámos aqui? Será que nos perguntamos? Será que queremos ouvir a resposta da nossa própria boca ou, se formos sinceros vamos encontrar uma quota-parte de culpa e preferimos nem nos olhar ao espelho com medo de encarar o monstro que nos sorri de dentro do laminado?

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

De olhos em bico

Estreei-me em Haruki Murakami com A rapariga que inventou um sonho.
Não estou extasiada. Nem com o livro nem com a tradução. Penso que o trabalho de tradução de japonês para português, neste caso de Maria João Lourenço, não é pêra doce, antes pelo contrário. Mas vamos por partes.
Os contos que compõem o livro são momentos retirados cirurgicamente duma qualquer realidade, mesmo que irreal; têm corpo e podíamos ser nós, as nossas alucinações, as nossas verdades, as nossas confissões.
Em quase todas as histórias há um elemento que se repete: está calor para a época. Haverá alguma razão para isso? Pergunto. É o autor que é encalorado e dessa forma deixa a sua marca naquela narrativa, para além da genialidade da sua criação, de alguma forma, sem ser protagonista, mas deixa uma impressão digital? É coincidência? Ou estará a temperatura certa e os protagonistas ainda não deram conta? Mas se assim for, porque há a necessidade de o afirmar, de realçar esse calor desajustado?
Por outro lado, a tradução levanta mais problemas do que qualquer uma em línguas mais próximas, por via duma cultura enraizada que revela diferenças profundas: dois jovens universitários encontrarem-se para tomar chá pode ser ridículo, estranho, cómico, pode ser muitas coisas, mas que é estranho, é. Mas não no Japão…
E se a narrativa dos jovens que se encontram a beber chá pode parecer estranha, mas é real, já o facto de alguém ficar com os olhos em bico me parece a mim uma opção de tradução altamente incorrecta, uma vez que a expressão é ocidental e para referir precisamente os povos asiáticos, logo, não creio que eles se refiram a si próprios dessa forma. Presumo ter sido a forma escolhida para traduzir uma expressão idiomática, de espanto ou surpresa, que aqui resultou mal.
Não sou tradutora mas estas coisas fazem-me levantar os olhos da página pois sinto que não encaixam. A tradução de it's raining cats and dogs nunca poderá ser chovem gatos e cães e sim qualquer coisa como chove a potes, por exemplo.
Há necessidade de traduzir ideias e expressões onde o literal está muito afastado, mas neste caso, um japonês ficar de olhos em bico, parece-me abusado, demais.
Decididamente eu fiquei com os olhos iguais.