segunda-feira, 31 de março de 2014

O silêncio é de ouro

Um aluno procura-me para que o ajude a responder a uma proposta de emprego.
Explica-me que enviou o currículo, responderam positivamente e pediram-lhe mais uns detalhes. Está nervoso e ansioso e eu faço o melhor que posso que sei, como se fosse meu filho.
Faço muitas perguntas para juntos contruirmos uma frase que dê resposta ao que lhe pedem, de forma autêntica e real, mas que seja de leitura atractiva.
Ele agradece penhoradamente e eu sugiro enviar as respostas para o mail dele, para que depois as componha melhor ainda e as enderece à empresa. Quando lhe pergunto a morada electrónica ele dá-me uma mão cheia de vogais e consoantes sem talho nem maravalho.
Explico-lhe que deve arranjar outra morada, mais oficial, mais credível, uma morada que contenha, por exemplo, o seu nome e apelido, e que passará a usar para estas situações.
Quando chega a vez dele me explicar a mim que aquele é o seu apelido, engulo em seco e percebo que devia ter estado calada.
E viva a diferença!

Estado de espírito

O meu filho dormiu fora e levou o carro.
Levanto-me com o espírito de quem tem de ir a pé até ao Metro, num dia de chuva, muito cinzento. Rapidamente ultrapasso a má disposição, com a lembrança do que tenho para fazer.
Ilumina-se-me o sorriso de tal forma que percorro o caminho sem apanhar água, como se fosse um chapéu-de-chuva.
Porém, com a lembrança da temperatura da semana passada enfiei uma camisola de manga comprida que me fez suar as estopinhas; o andar à pressa e a temperatura do Metro não ajudaram, mas tive que esperar pelas nove horas, já em Lisboa, para me enfiar na loja chinesa mais próxima.
Sai de lá florida e de manga curta, tudo em desacordo com o tempo mas em acordo total com o meu estado de espírito primaveril, que ninguém me consegue tirar.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Oh! Não!

Estou furiosa, mal disposta e irritada: acabei de ligar o ar condicionado... no quente.
Até o tempo está do contra. Já fui à praia, com banho e tudo, e agora volta a chuva e o frio.
Sexta-feira apanhei uma molha ao fim do dia e hoje não trouxe almoço o que quer dizer que vou ter que sair para comer. E apanhar com a chuva. Mesmo que não a apanhe em cima do corpo, sei que ela está lá fora, que se impõe, que existe, que tristeza.
A má disposição dissolve-se um pouco quando vou ver a caixa de correio, abandonada há muitos dias, por força do excesso de trabalho. Está lá um mimo do Dia da Mulher, mensagem linda que agradeço. Ainda assim, em dois minutos fico com vontade de bater em alguém novamente.
Desconheço as previsões do estado do tempo, mas tenho a certeza que o acompanharei tranquila ou irritada conforme faça sol ou chuva. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Torre do Tombo

Todos os dias corro para a Torre do Tombo em cima das seis da tarde. Os meus homens levam-me a fazer pesquisas em papéis que o tempo conserva como se tivessem sido escritos ontem.
Os dedos secam-me de tanto passar a folha e procurar aquele nome com que sonho. Ainda não o encontrei mas mantenho a certeza, mais que a esperança, que o vou encontrar.
Isto passa-se depois de um dia de trabalho intenso, e antes de ir para casa agarrar-me ao computador e continuar a pesquisar.
Ando numa fase intensa e prolifera de trabalho; ontem enviei um artigo para uma revista científica e já comecei a escrever outro. Na semana passada expliquei à médica que o tempo morto me incomoda: o metro que não vem, a máquina de café que demora cerca de vinte segundos a terminar a preparação de um copo, sem açúcar, o tempo que as pessoas demoram a atender o telefone. Não sei como, vou falando com ela e vai-me sacando informação, sobre os meus hábitos, o trabalho intenso, a inexistência de namorados, a entrega total ao trabalho que se mistura com o estudo; explico-lhe que a minha vocação é ser estudante, se eu pudesse não faria outra coisa. Ela diz que isto é uma forma de depressão e eu penso que as escolas médicas dão o diploma a qualquer um.
Tomara muita gente conseguir ver televisão, falar ao telefone e ir fazendo pesquisas na net ao mesmo tempo, como eu. Ela olha-me muito séria e eu já não conto que tenho um livro à ilharga para onde vou olhando.
Diz-me que tenho que parar, que abrandar. Explico que o único lugar onde estou sem a sensação de desperdiçar tempo, é na praia. Deito-me e fico ali, só isso. Mas isto de estiver de barriga para cima, pois a barriga para baixo obriga a um livro, uma revista, quanto mais não seja à leitura da informação que vem no frasco do protector solar.
Depois de uns minutos de conversa, à cautela, retiro cigarros ao número que lhe dou quando me pergunta quantos fumo, assim como retiro horas ao dia de trabalho. Se o que faço me deixa satisfeita e acabo o dia em cima da meia-noite, porque raio hei-de terminar antes?
Digo-lhe que fujo do senhor alemão como o diabo foge da cruz e que a única terapêutica é exercitar o cérebro. Falo-lhe da minha mãe, do meu avô, de outras pessoas que verdadeiramente me assustam. Explico-llhe que não tenho medo de nada, à excepção disto. Ela responde que para além do alemão, há outros senhores que podem tomar conta de nós se não tivermos cuidado.
Mau! Penso eu, então não devia ter um namorado?  Em que ficamos? Se começo a ter medo de todos os senhores que me podem rodear, então fico sozinha para sempre... o que não é má ideia, diga-se de passagem...
Concluo que não quero que me tirem a sensação de bem-estar que sinto, que até posso morrer amanhã, mas estarei plena de trabalho feito, bem feito, de procura, de não acomodação, de actividade, de vida. Nã... morrer, eu? Não é tão cedo. 

A culpa é minha

Os meus sobrinhos zangam-se. O mais velho diz que a culpa é da irmã, a criança do meio.
O mais novo ouve e começa a chorar. A mãe corre a intervir, Mas afinal o que se passa?
Falam todos ao mesmo tempo, ela levanta a voz para os calar e que fale um de cada vez.
Os mais velhos obedecem, o mais novo, com dois anos, continua a chorar. Ela dá-lhe atenção e pergunta porque chora. A resposta é óbvia:
- O Manel diz que a culpa é da Pi, mas eu quero a culpa...
E continua a chorar.
- Mãe, eu quero a culpa...
Os mais velhos riem enquanto ele implora à superior figura da mãe que, sendo mãe, tem o poder para dar e repartir.
- Mãe... [soluços] Eu quero a culpa...

terça-feira, 11 de março de 2014

A vida continua

A 8 de Março comemora-se o Dia Internacional da Mulher, mas eu prefiro vivê-lo como o dia da igualdade dos sexos, pois esse é o objectivo.
Trabalhava eu em Almada e todos os anos havia festa rija, almoço, espectáculo, prendas e flores para as trabalhadoras da autarquia. O dia coincidia com o aniversário da Paula, uma colega que não passava despercebida pelo físico mas, acima de tudo, pela presença de espírito. Literalmente enchia uma casa, e mais ainda com o aguçado das observações e a boa disposição, que podia mudar 180 graus e era um susto. Havia assim vários motivos de festa.
Um dia, a meio da alegria, o almoço já terminado, chamam-me ao telefone, coisa inusitada. Do lado de lá informam que o Avô Gualdino morreu.
O 8 de Março passou a ser o dia do aniversário da morte do Avô e a lembrança eterna da Paula que nos pregou a partida há uns anos e morreu também, levando com ela o mundo que ocupava, onde fazia a gentileza de nos deixar viver e partilhá-lo com ela, bem como muitos anos por viver.
Penso em tudo isto no dia anterior ao almoço com uma das mulheres mais fortes que conheço e cuja amizade vem de tempos imemoriais. Quando estou com ela celebro-a e é Dia da Mulher, da mulher mais forte e corajosa que conheço.
Entretanto vivi outras amizades que não eram tão resistentes e abandonaram-me. A este propósito, outra grande mulher com quem tenho o privilégio de conviver disse-me que o abandono de pessoas que eu adoro pode acontecer devido ao meu espírito crítico, incisivo para com as pessoas, as pessoas de quem mais gosto. Será? Sim, sim, garante ela, As pessoas não gostam da verdade, dificilmente a encaram, preferem a ilusão muitas mais vezes que as que tu imaginas! A tua racionalidade raia a frieza e isso magoa quem não está habituado, a ilusão é sempre macia e se há coisa que não fazes, é iludir.
 Disse-me também esta mulher que me deixe de chorar pelos cantos; digo-lhe que não conhece a pessoa por quem eu choro a ausência, se a conhecesse... ela termina a minha frase, Se eu a conhecesse dizia-lhe que é a maior parva do mundo, tem a tua amizade e despreza-a.
Esta amizade, que já foi mas já não é, era sempre a primeira a ligar-me neste dia da mulher sabendo que eu estava triste pelo aniversário da morte do meu Avô e pela lembrança da Paula e dizia-me A vida continua...
É isso mesmo, a vida continua, com imensa tristeza e perplexidade, mas continua.

segunda-feira, 10 de março de 2014

MNAz, para os amigos

Faço um intervalo na pesquisa virtual e vou ao Museu Nacional do Azulejo. Quero ver o século XIX e fico decepcionada com a parede, única, que ocupa.
Do 'meu' homem apenas uma trindade de trabalhos, atribuídos, ainda por cima, as certezas persigo-as eu, afanosamente.
Pergunto pelas outras peças, que são da colecção temporária, dizem, ai que pena, respondo eu.
A decepção passa depressa, ao ritmo da visita completa, maravilhosa.
Fico sempre invejosa e sensibilizada com gente que sobe montanhas, que esgravata o fundo do mar, que molda a pedra ou que pinta, no caso, azulejos.
No Museu há de tudo, desde contemporâneos até aos antigos, preciosistas, que sobrevivem aos séculos e à ganância.
Há peças que foram encontradas em obras, outras doadas, outras ainda recuperadas pela Polícia Judiciária. Todas carregam uma minúcia, um olhar do artista, uma visão excepcional, uma dádiva, generosidade do azulejador que permite que nós possamos ver o que ele viu, que assim ouvimos a História com os olhos.
Para além do Museu em si vale bem a deslocação pela envolvência, no Beato, vizinho da Madre de Deus, subindo um bocado e estamos na Feira da Ladra. Ruas justas, mostram o tempo algo esbatido, o passado meio desbotado, mas presente.
Depois de uma caminhada valente pela manhã, de um meio banho de mar - até à cintura, já não foi mau - e com este passeio pela tarde, cheguei a casa transportando um dia feliz.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Luz de Almeida

Cumpre-me abrir com um aviso: isto não é uma apologia à revolta, ao terrorismo, nem sequer ao ser do contra. Alba, que não a de Lorca, mas que talvez pudesse ser, foi recentemente condenada por uma acção online que me fez pensar e muito.
Estou a ler, lentamente mas estou, uma edição de 1990 da Alfa, de autoria de José Brandão e que tem por título Carbonária: o exército secreto da República.
Não se percebe bem se as pessoas queriam de facto a República, mas percebe-se que queriam mudar: D. Carlos recebia um conto de réis de vencimento por dia e, juntamente com o resto da família real, arrombava o erário público em quinhentos e vinte contos anuais, muito superiores aos trezentos da família real norueguesa ou aos cento e vinte da dinamarquesa. Assim, não era de estranhar que se dissesse que por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI.
A situação era de tal forma que Raul Brandão, a páginas 115 das suas Memórias, edição da Renascença Portuguesa de 1983, afirma que se ouvia dizer "Venha tudo, venha o pior, venha o diabo do inferno que nos livre disto".
O cérebro da Carbonária era Luz de Almeida, de quem já tinha ouvido falar, tal como do barbudo Buiça ou de Alfredo Costa; ora, diz o povo que quem diz a verdade não merece castigo e assim se passa comigo, que sorri ao saber da profissão de Luz de Almeida: bibliotecário.
A rede que conseguiu montar, diz-se que conhecia todos os primos carbonários, é invejável. Falo do ponto de vista profissional, é claro, nós bibliotecários somos muito da web, está bem de ver.
Que faria este homem na era das redes sociais? A sua discrição levá-lo-ia provavelmente a montar a rede, tal como fez, a usar a teia de conhecimentos e a planear o futuro, de forma a poder vislumbrar-se uma luz ao fundo do tunel. 

Em investigação

Muito trabalho e projectos de investigação à mistura fazem-me andar numa roda viva, em frente do computador mas também em arquivos: Torre do Tombo, Tribunal de Contas, Ministério das Finanças, Santa Casa, entre outros.
Tenho uma excelente professora nesta arte, que me faz sentir como se estivesse na instrução primária face aos conhecimentos dela nos arquivos e centros de documentação.
A bem da verdade, sempre frequentei estes locais mas sem o intuito da investigação; ora porque conhecia lá pessoas, ora porque ia como aia buscar ou trazer documentação. Sempre me interessei pela pesquisa já feita e nunca me vi a fazê-la.
O entusiasmo vem muito desta já experiente investigadora que, quando dou conta, ainda eu vou aqui e já ela vai para lá de além!
Um dia vou conseguir chegar-lhe aos calcanhares, até lá, agradeço-lhe muitíssimo.