terça-feira, 19 de janeiro de 2010

21 de Julho de 2006

João…não me arrisco a começar por Meu João…
Tens absoluta razão… não tenho qualquer sentido de orientação. Perco-me com facilidade neste imenso labirinto e até agora já percorri alguns caminhos sem saída.
Eu sei que depende de mim derrubar a parede à minha frente e dizem-me que alguém com a minha força, não pode deixar de o fazer.
Ainda não decidi se quero mesmo destruir algo que criei com carinho e amor.
O céu estava azul no dia do nosso casamento e uma leve brisa ajudava-me a lidar com o calor que sentia no meio de toda aquela gente.
O céu fez-me, novamente, o favor de estar azul no dia do nascimento do nosso filho.
Desde há algum tempo para cá tem predominado o cinzento.
Escrevo sem parar. Parece-me ser uma penitência prazenteira, pois tudo parece mais claro e sinto brechas no cinzentismo à minha volta.
Porém, desde que fui atacada por esta nova necessidade que me faz arder as mãos se a não satisfizer, aconteceu uma coisa extraordinária: mudei. De quê para quê? Não sei exactamente, mas é bastante visível. Todos os afirmam.
Outro sintoma deste meu novo estado, traduz-se na procura de mim, que é feita por quem me lê.
A fraca conversadora e faladora está cada vez mais calada; para dizer a verdade há um abismo entre a facilidade e a vontade do correr a pena e da língua.
Quem me conhece, identifica-me agora como um candeeiro sem lâmpada e os mais radicais como uma lâmpada fundida, cujo único caminho é o lixo.
Estes, daquilo que escrevo, identificam palavras soltas; juntas não lhes encontram sentido.
Tenho algum receio, sou muito receosa, de estar a fazer julgamentos indevidos: dos outros e de mim. Estupidez, inteligência, interessante ou indiferente, onde está o quê?
Relativamente a mim, sinto-me bem, mas quando penso nos outros lembro as ligações que existem e faço um esforço para recuperar o futuro ainda não perdido e lamento que a vida seja um relógio avariado, pois não deixa acertar o tempo.
Desenhar o futuro com base nos moldes do passado é como usar sapatos apertados. Porém, aquilo que somos, vem de lá, do passado. Nós somos a rocha; as lembranças, as coisas, as pessoas são as lapas que se nos agarram desesperadamente.
O pó do caminho que molhamos com as nossas emoções e os nossos gestos, consolida-se e transforma-se em barro, nem sempre moldável. É como a fruta verde que por qualquer motivo, cai da árvore e nunca amadurece convenientemente, mas que nós comemos. É capaz de matar a fome, mas não o apetite.
Em cada dia que passa, confirmo que as certezas pertencem à infância, pois o poço de dúvidas, cada vez é mais profundo. O que fazer? Se todo este processo é um caminho cujas pedras estão gastas de tanto ser percorrido, é também uma lição não aprendida.
Ninguém me diz, ninguém me explica e as minhas poucas perguntas reflectem-se no olhar alheio como perturbadoras. Mais uma vez a dúvida: não sei se insista se me cale.
Apenas acordo em cada manhã, desejando que o sol nos invada, nos viole, mas invariavelmente, foge ao escuro, não querendo passar a noite comigo.
Nasce uma angústia do meu estômago que associo ora a algo que não fiz ou a qualquer coisa errada que assinei. Será que eu gostava de ser normal? Não me parece que haja alguém que aspire a ser como eu.
Há muitos aspirantes a mim, eu sei. Acham que sou patente deles só porque lhes mostro os olhos; e querem ver tudo, ignorando que isso é uma missão impossível. Nunca me mostrei na plenitude, nem mesmo a mim. Por isso me surpreendo. Vou agora tendo acesso a sítios, paragens, horizontes que, nunca tendo sido longínquos, ainda não tinha descoberto. O que mais conterei?
Não consigo deixar de me sentir assustada. Haverá mais gente assim?
Antes daria de imediato dado inicio a um clube; agora, quero estar sozinha. Isto é o que eu quero, mas não estou. Corro o risco de passar pela solidão e não encontrar a porta de saída.
Perdoa-me João, mas tu tens as chaves dessa grade, desse portão e, quando falamos, dás-me razão, mas depois… depois tenho que te por as coisas por escrito para que pares um instante a reflectir nelas… porquê?
Estou cansada e não sei quanto tempo mais vou conseguir aguentar.
Camila

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