terça-feira, 19 de janeiro de 2010

À Volta ao Mundo


Estou a ficar farta da vossa revista!
Viajar todos os meses por um caminho diferente, cansa-me.
Já não posso ver as fotografias daqui e dali e de acolá.
Já não posso ler os textos que acompanham essas imagens.
Já não posso poisar a vista nas descrições das vidas de gente que se dedicou à aventura…aventureiros, bah.
Já não posso com as indicações daqui e dalém, sobre tudo e mais alguma coisa.
Já não posso!
Há alguns meses obrigaram-me a fazer o itinerário do Lawrence, pelas ‘arábias’. Odiei. Fiquei cheia de pó e ainda tenho grãos de areia do deserto, nos olhos.
Depois, fizeram uma misturada entre filmes de quinta categoria, numa mescla que me levou de ‘gangão’ a não sei quantos continentes.
Agora forçam-me a continuar a andar por Espanha, e obrigam-me a lembrar aquele louco, que gostava de livros, e dava pelo nome de Quixote.
Mais, obrigam-me a ir ao Brasil e mergulham-me, sem aviso prévio, numas lagoas paradisíacas.
Mas não se ficam por aqui, agora fizeram o impensável, oh, como vos odeio, forçam-me a entrar no Real Gabinete Portuguez de Leitura, no Rio de Janeiro.
Ouçam os meus gritos: NÃO, NÃO! Larguem-me, dealers, que me têm agarrada, sem poder fugir…
Deixem-me, duma vez, no meu canto sossegada. Não me forcem, não me violem o querer, não me acordem a imaginação.
Eu nunca gostei de vocês, mas agora…aqueles livros todos ali, parados, a chamar o meu nome…vem, esperamos por ti…agarra-nos, vem sentir o nosso cheiro, o nosso calor…NÃO!
Não vêm as minhas lágrimas? Deixem-me, matem essa revista, fechem-se em casa!
Não sentem a minha angústia…eu não quero ir, libertem-me, não me torturem.
Odeio-os a todos.
E os paraísos submersos…outra vez! Não estamos bem aqui em cima? Temos que ir descobrir aquelas cores que nem existem no arco-íris e nos cortam a respiração?
Já sei! Vocês querem matar-me! São a Santa Inquisição que não tem piedade do quotidiano rotineiro e teimam em continuar a queimar os dias cinzentos nas fogueiras das reportagens, mascarando as celas de tortura em espaços abertos pelo mundo fora.
Mas quem pensam vocês que são? Impelindo-me para agarrar as estrelas com as mãos, atormentando-me no meu dia a dia, mostrando que o mundo me aguarda, me espera, me chama.
Quem vos disse que quero acordar e cheirar sempre mercados distantes?
Quem vos disse que quero ir e não voltar?
A quem roubaram o condão de me entrarem pelos olhos e me possuírem o corpo todo?
Façam desaparecer este pecado, feito revista, de todas as livrarias, quiosques, bancas, bibliotecas, e sei lá mais de onde. É a única forma de poder viver em paz.
A prisioneira
Camila Ribeiro

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