quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

15 de Dezembro de 2006

Caro Sr. Director do Colégio O Sorriso da Criança
Sou mãe do aluno do 3º ano, Duarte Ribeiro e venho por este meio dirigir-lhe algumas palavras a propósito da sessão da passada semana, cujo mérito deve continuar a ser realçado.
Como salientou um dos participantes, com muita facilidade entramos em concordância uns com os outros mas, ao sairmos do espaço de debate, acabamos por nos esquecer de algumas coisas e esfriar a concordância que manifestámos.
Para além da satisfação que me assiste diariamente por ter o meu filho no colégio, muito me satisfaz também que os pais não sejam esquecidos e tenham estas gratas oportunidades de participar, não apenas duma forma limitada, no que a cada criança diz respeito, mas duma maneira mais abrangente e que não se constrange a práticas e comportamentos imediatistas, indo bem mais longe e proporcionando-nos momentos de reflexão, de trocas de ideias, de exposição de dúvidas.
A actualidade do tema proposto e debatido foi muito grande: há que ter consciência do que existe, do que está disponível, mas criando a cada momento, o equilíbrio necessário e tão difícil, entre o que podemos fazer e o que devemos fazer, não caindo em tentações facilitistas, mas antes, criando um espírito de sacrifício, compensado a seu tempo com a recompensa de nos termos transformado em pessoas inteiras, completas, com sentido humanista teórico e prático, solidários, compreensivos e aceitando as diferenças entre cada um, não as encarando como elementos divergentes, mas como complementos à nossa própria identidade, onde cada diferença com que nos deparamos dia a dia, nos enriquece.
O desenvolvimento de competências para abarcarmos este novo mundo, é fundamental! As tecnologias ajudam-nos, sem dúvida, mas temos que nos familiarizar com elas para não passarmos uma herança de receios aos nossos filhos, nossa primordial preocupação neste mundo. Porém, creio que nos devemos consciencializar que somos nós que precisamos de formação em primeiro lugar, e não devemos inverter posições e encarar esta problemática, como um bicho papão que atemoriza, não as crianças, mas os pais delas… nós.
O conhecimento das coisas sempre levou ao desenvolvimento e ao progresso e é conhecendo efectivamente as potencialidades que as tecnologias nos disponibilizam que agarramos a tal competência que nos permite ajudar os nossos filhos a melhor singrar neste futuro que, já hoje, está presente.
Por tudo isto, me agradou tanto ter ouvido falar em escola de pais, eu que incluo no meu currículo o facto de ser mãe, competência que desenvolvo e onde tento evoluir positivamente, dia após dia.
Perigos sempre existiram. Os nossos pais e os pais deles já foram confrontados com situações novas, com as quais não sabiam lidar e que tinham relação directa com o nosso crescimento a vários níveis. Acontece porém, que as mudanças dos dias de hoje são, muitas vezes, mudanças invisíveis que actuam no subconsciente, quantas vezes levadas quase ao grau de doença que, quando nos apercebemos, já nada há a fazer. E é aqui que residem os perigos e a diferença da perigosidade, dos dias dos nossos pais para os nossos dias e as nossas noites.
Sou uma profunda adepta de tudo quanto nos possa facilitar a vida, mas como sempre acontece… tudo o que é demais, não presta…
Quando não tinha computador em casa, fazia questão que o meu filho lhe tivesse acesso e soubesse manejá-lo. Para isso, levava-o a uma das muitas bibliotecas públicas que existem, quer no nosso concelho, quer noutros e, duma forma integrada, sem perder de vista a leitura e a escrita, ele tinha a possibilidade de exercitar a sua própria competência, dando satisfação ao desejo de brincar com um computador. Faço o mesmo com os filmes, levando-o a salas de cinema, satisfaço a sua vontade em nadar, levando-o a piscinas, acedo quando me pede para conviver com animais, levando-o ao Jardim Zoológico, ao Oceanário e a parques diversos, para além da grande mais valia de ele ter uns tios que vivem no campo e têm os mais diversos animais.
Por outro lado, quando falamos da apetência que as crianças têm para todo o tipo de equipamento desta natureza e exemplificamos com o seu à vontade em manejar rapidamente um game boy ou uma consola de jogos, não raro, queixamo-nos de que eles passam tempo demais com estes brinquedos. Mas considero que, se são reclamações com fundamento, por outro lado, não fazem sentido pois, fomos nós que comprámos esses entretenimentos ou que lhe possibilitámos a sua aquisição e somos nós que, no nosso desvario cansado do quotidiano, lhes dizemos para irem brincar com esses jogos porque não temos paciência para fazer um jantar devagar, com a ajuda deles, brincar com eles às arrumações e, com calma mostrar-lhe que há tarefas que podem e devem ser da sua responsabilidade, passear com eles à chuva, explicando-lhes como as nuvens a deixam cair e porque nos devemos proteger com um chapéu,…
Peço-lhe desculpa da abusiva prosa e do tempo que lhe retiro, se tiver tido a paciência de aqui chegar, até porque, quem sou eu para ensinar os outros… mas penso que os valores, dos quais também ontem se falou, existem e têm que ser conservados. Não são uma rotunda que circundamos, com uma estátua a meio, para a qual nunca olhamos. São a essência da vida partilhada e os alicerces da sua construção. Obrigatoriamente lidamos com novos modos de ser e estar, em sociedade, em família, etc. e temos que ser capazes de carregar sempre os nossos valores, não como um peso, mas antes como uma marca que nos distingue, que nos identifica, que nos solidifica, que nos dá consistência como pessoas.
Não posso deixar de dizer também que algumas das intervenções me preocuparam: eu não posso deixar que sejam os outros a decidir sobre as minhas atitudes, os meus comportamentos, o que mostro ter ou não mostro. Penso que subsiste alguma confusão com a ideia de marginalização social, num mundo globalizado e não é por todos os que me rodeiam terem algo que eu não tenho, que vou ser alvo de marginalização. Mas antes de podermos passar esta ideia aos nossos filhos, temos nós próprios que nos convencer disto… mais uma vez, repito que o essencial não é, exactamente, ter tudo, mas estarmos na posse das competências para, se formos confrontados com algo novo, podermos dominar a situação.
Fala-se muito na crueldade das crianças… e através de actos ou palavras de companheiros de escola, encontramos os nossos filhos tristes e desanimados e, pior ainda, revoltados… não têm computador em casa, acesso à internet, CD portátil, roupa da marca X ou Y, não fizeram a viagem que gostaram… mas se o caminho percorrido e a percorrer for assinalado por marcos geodésicos de valores, por correntes e ventos de paciência e disponibilidade e os azimutes permanentemente tirados com um acompanhamento eficaz, então, temos mais condições para podermos sorrir e antever as cores do arco íris num futuro que dizem ser negro.
É comum as pessoas dizerem que não têm tempo… francamente não acredito; eu que desenvolvo várias tarefas e moro longe do emprego, tenho sempre tempo para tudo.
Nas férias escolares do Natal, Páscoa e Verão, levo o meu filho para o meu local de trabalho, durante um dia inteiro, para que ele saiba o que ocupa a mãe e o pai, durante todos os dias, ao longo do ano e donde vem o rendimento da família, para que veja o que lhe rouba os pais durante o dia. Com este conhecimento, torna-se mais fácil para ele perceber a ausência dos pais e cria elementos de ligação na sua memória que lhe permitem um estar diferente… ele conhece o local onde a mãe bebe café, onde almoça, onde lhe compra cromos para a caderneta, identifica os nomes de quem os pais falam à noite, não apenas como um nome, mas como uma pessoa, pois conhece-as. Penso que este relacionamento, esta intrusão das crianças no ambiente de trabalho é fundamental para criar elos de ligação entre algo que pode ser abstracto e distante para eles e não tem que ser.
Tudo isto exige muito esforço, sacrifício, tempo, dinheiro também. Mas exige, acima de tudo, que sejamos pais e pessoas por vocação e, claro, compreendo perfeitamente que há pessoas que gostariam de fazer o mesmo e não podem.
Agradecendo o tempo que me dispensou na leitura destas palavras que, espero, não tenham sido excessivas, subscrevo-me com a maior consideração e aproveito o ensejo para renovar os meus agradecimentos pela iniciativa.
Que se repita!
Bem haja.
Camila Ribeiro

Sem comentários:

Enviar um comentário