segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Caixa de Óculos

Uso uma prótese ocular desde os seis anos, o que quer dizer que vivem uns óculos pendurados no meu nariz desde essa altura. É uma tarefa árdua pois até agora não houve um só par que resistisse e de vez em quando abandonam o lugar. Ou são despedidos. Se tivesse guardado todas as armações (entre armações e hastes, venha o diabo e escolha, sinto-me um alce…) teria dezenas.

A partir duma certa altura começaram a usar-se caixas para guardar os óculos. Tenho mais que certos oculistas e servem para guardar fios e anéis, pregos e parafusos, cigarros e isqueiros, pedras e conchas e mais mil coisas. Como me canso facilmente tenho vários pares de óculos que vou mudando ao longo da semana, além de dois pares de sol, o que me obriga a mexer nas caixas com frequência.

Porém, há uma caixa de óculos na qual nunca mexo, mas que vejo todos os dias. Eu e quem entre na minha sala. Os meus primeiros óculos foram emoldurados e estão por baixo do meu nome em árabe e por cima duma Tbilisi em relevo e duma espécie de azulejo com a imagem da berlinense Porta de Brandenburgo. Dos lados há coisas variadas todas com impressões digitais do tempo, memórias de viagens e de locais de trabalho. Símbolos de amizade. Há também uma telha que o V. trouxe de Linhares da Beira e que tem uma história inventada por mim mas que gosto de pensar que é verdadeira. Uma história real de agruras e dificuldades duma vida de telha em telhado da Lusitânia que terminou a sua vida aqui, numa sala cheia de livros, todos disponíveis, e que conversa durante o dia com os óculos que estão na caixa. A telha conta o que já viu, os óculos relatam o que leram. Ambos são símbolos no meio duma parafernália de coisas, como uma africana de pau-preto que se debruça sobre uma réplica de ovo de Fabergé ou as fotografias, que se calam quando eu chego a casa.
Mas por muita tralha que por ali reine quem impera são os óculos, perdidos e reencontrados e colocados na parede, qual pintura famosa qual quê… uma prenda única, que não se agradece, partilha-se.

1 comentário:

  1. Verbo Óculos

    Os meus óculos
    Os teus óculos
    Os óculos dele
    Os nossos óculos
    Os vossos óculos
    Os óculos deles

    Óculos teus e de todos nós. Não só os óculos como tu também.
    Ficas linda com os teus ocalinhos.
    Beijo

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