segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Querida Mana

Querida Mana
Porque é que tenho a sensação que cada dia que passa se torna mais difícil falar contigo?
Sofres e eu não sei exactamente porquê. Mas isso é suficiente para que eu não esteja bem.
Comecei a não estar bem há um ano, quando foste embora. Vivia na dúvida e a dúvida é algo com muitos picos, incómoda, dolorosa: dúvida se estavas bem, se estavas feliz, contente, se estavas a ser aceite, se estavas a aceitar o que te estava a acontecer.
Chorava às escondidas e enviava-te postais, escrevia-te poemas e perdia-me a pensar em ti. Quando tu nos escrevias, parecia-me que tinha ganho a lotaria e eram as únicas ocasiões em que me permitia chorar à frente de alguém – do João – e fazia-o porque não me conseguia conter. Os postais ficavam pendurados no frigorifico e eram lidos vezes sem conta: ao telefone, à mãe e entre nós, à noite.
Depois chegou o Natal e tu vieste ver-nos. Foi uma espécie de maré a encher que faz renascer todos aqueles seres vivos que vivem na rocha e já há tempos não recebiam um bálsamo que lhes permitisse viver em condições normais.
O Natal passou mais depressa que uma estrela cadente.
A mãe ficou cada vez pior. O trabalho era cada vez mais. O pai não andava, deambulava. O João arrastava-se de manhã à noite, ansiando pelos fins de semana.
As reservas de paciência e de amor de todos nós eram dadas ao Duarte. Claro que não chegavam, nunca chegam: culpo-me disso para a eternidade.
Então, tu vieste e foi como se conseguíssemos respirar depois de um longo mergulho, para de imediato, voltarmos a mergulhar.
Tudo era pensado em função do teu regresso, da tua permanência nesta aldeia que é o nosso mundo, o espaço à nossa volta.
E tu vieste. Mas não vieste tu, veio outra pessoa no teu lugar.
Carregada com as responsabilidades adiantadas, com 13 ou 14 horas de trabalho que nada tem a ver com os 6 ou 7 anos de esforço para tirar a licenciatura, que nada têm a ver com St-Gilles ou com Rennes, e que te levam a pensar, suponho eu, porque é que tudo é tão injusto: Se eu era a melhor aluna do curso, era quem ajudava tudo e todos, porque é que eu tenho que ser a única que estou a trabalhar fora da área, porque é que não posso mostrar o meu brilho, porque é que não posso mostrar-me e competir com todos os outros?
Tens o sentimento que estás a pagar a factura, a fazer um pagamento de algo que te foi dado e recusas deixar a mãe e o pai sozinhos.
Por outro lado, acho que o Miguel foi mais importante na tua vida do que aquilo que nós todos imaginamos. Mas faltou-te a coragem, e essa falta de coragem foi acompanhada de uma certa dose de pena que, por sua vez, ainda te tirou mais coragem tipo, efeito de pescadinha de rabo na boca.
Eu acredito que isto é verdade e se é, porque é que não fazes nada? Eu vou estar sempre ao teu lado, independentemente da tua escolha e mesmo que eu diga algo para te prender, não passa de um reflexo do meu egoísmo, porque quero ver-te e ter-te perto de mim, nada mais. Mas por muito que me doa, se for o que tu queres, eu levo-te onde seja preciso. Por ti eu vou ao fim do mundo e volto.
Não é todos os dias que se encontram almas gémeas, antes pelo contrário: é raro. O que acontece na maioria das vezes, é acomodarmo-nos a almas “irmãs”, com quem casamos, por falta de almas gémeas: mas quando se encontram deve fazer-se tudo para não as deixarmos fugir. Caso contrário, vamos arrependermo-nos toda a vida e o arrependimento é algo muito pesado e com quem é difícil de viver.
A tua fotografia que está em cima da minha secretária tem um sorriso que há muito eu não vejo...um sorriso de criança. Não vejo eu e não vê ninguém. Como sou tão egoísta e gosto que me façam as vontades todas, gostava de ver aquele sorriso outra vez e outra e outra e…, mas não sei o que fazer para o conseguir.
No fim de semana estiveste longe de todos nós o tempo todo. Não sei o que fizemos para te afastar, mas não foi propositadamente. É fácil falar com o Francisco e tu afastas-te de nós, remetendo-te para um silêncio voluntário inexplicável. Durante todo o fim de semana pairou qualquer coisa no ar que me deu vontade de chorar o tempo todo.
Não sou feliz naquela casa, acho que toda a gente sabe. Quando cheguei ontem à noite, a chuva antecipava uma semana horrível e parecia que ia rebentar: tu estavas ali, mas não estavas e ias já embora. Todo aquele frio à minha volta; eles lá em cima, mas ausentes; o João presente, mas invisível…não sei explicar bem. Apetecia-me desaparecer, algo em que penso muitas vezes.
Eu não sou difícil de contentar e mesmo assim não me sinto bem em lado nenhum: detesto trabalhar aqui, detesto viver lá, não me apetece abrir a boca para falar, mas aguento tudo, faço um esforço enorme se aquelas pessoas para quem eu vivo, estiverem bem. E eu só vejo pessoas que não estão bem á minha volta…
Parece que há uma guerra na minha cabeça, o peito explode, os braços não se mexem. Às vezes impeço-me de pensar para não chorar e não entrar em desespero.
O João ouve-me, diz que fica preocupado, mas não faz nada. O que haveria de fazer? Ele nem pergunta, nem tenta saber.
Eu acho que a conversa do teu casamento, é uma espécie de fuga, ou seja, tu a tentares uma certa envolvência, para esqueceres outras coisas. Porquê?
Acontecem tão poucas coisas boas na vida que quando surge uma não podemos deixá-la ir embora e temos que pensar que os outros não vão ficar magoados: se realmente gostam de nós vão ficar felizes por estarmos felizes.
Faz-me a vontade, alimenta o meu egoísmo, dá-me motivo para continuares a ser a rainha e a deusa de todas as minhas conversas com toda a gente, desde os meus amigos antigos até aos mais recentes, pessoalmente ou pela net, por escrito ou de viva voz, com os que te conhecem ou com os que ouvem falar de ti pela primeira vez, e fazendo-os acreditar, a todos, que tudo o que disse nem é metade do que haveria a dizer.
Anseio e peço-te encarecidamente de joelhos que fales comigo e digas o que estás a pensar e a sentir.
Amo-te
Mana

1 comentário:

  1. Enquanto todos se divertem ela chora. Relembra de tudo o que já passou, e sabe, porque não se vai embora.Filha, mãe, irmã e amiga. Nem eu conseguiria esquecê-la! Beijo

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