segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Açores - Velas

A primeira vez que fui aos Açores aconteceu magia.
Fiquei no Faial e um dia apanhei o barco para S. Jorge. Há uma escala no Pico e cerca de duas horas depois chegamos a S. Jorge, mais precisamente à freguesia de Velas, que fica numa pequeníssima baía e onde esperamos a todo o instante que apareça o Popeye!
Apanhei um táxi, coisa costumeira naquelas bandas, que ficou por minha conta o dia inteiro. Fiquei deslumbrada com as estradas de terra batida vermelha! Ladeadas pelo verde pareciam desenhos de criança ali estampados na natureza por mão divina. É difícil descrever a beleza imensa quando ela é tão simples... não há nada mais a descrever, é só isso e é maravilhoso.
Andei o dia todo como num mergulho, sem respirar perante tanta dádiva: as ravinas são de cortar a respiração, a vegetação é inimaginável, as aldeias perdidas no meio do nevoeiro revelaram-se quentes através das vozes dos que lá estavam, em cafés intemporais com retratos de galãs de novelas e de filmes que há muito desapareceram. Comprei uma peça em renda que me foi oferecida por um homem e cujo negócio se concretizou com a esposa, já em casa deles e no meio dum chá com pão e queijo da ilha... tenho família com quem não falo, nem estou tão tranquila, serena e satisfeita. Comprada a renda, fui a pé até ao mar – já tinha dispensado o taxista - sentei-me no cais com as pernas penduradas para a água esperando a chegada do barco e sem saber que ia viver um dos momentos mais marcantes de sempre. O lusco-fusco tomava conta das casas, das pessoas e do chão quando entrámos para o barco.
Fez-se um ligeiro fru-fru com a corrida de todos para os bancos mais abrigados no interior da embarcação e quando vi algumas pessoas subirem, segui-as. Ganhei um prémio por o ter feito: o barco não tinha lugares cá fora mas deixavam as pessoas ficar ali a fumar e a conversar.
Devagar, como um rochedo que se desprega da terra em câmara lenta, o barco avançou pelo mar. As luzes da aldeia que se chama Velas acenderam-se nesse momento, tal e qual como um desejo. O barco ganhou velocidade e as luzes ganharam distância e rapidamente se transformaram em velas tal como a aldeia que assim se chamava. Eu, no cimo do barco era dona do mundo. Vi as velas das Velas mesclarem-se com as estrelas que pareciam velas e de repente nada se percebia. Senti-me preenchida por um encantamento – que ainda hoje me arrepia – por não saber o que era o quê... mas como se isso não bastasse, percebi um pouco mais tarde que outras estrelas nasciam no meu horizonte: era a Ilha do Pico a aproximar-se. Sim, a ilha a aproximar-se, não eu, não o barco, não o barulho do barco misturado com a água a bater-lhe, num gemido, porque eu, o barco e tudo o resto éramos um só e estava a viver um momento que nada poderia alterar e perante esse regalo era o universo que se movia e não eu, razão pela qual era o Pico que se aproximava...
Encostámos ao cais. Saiu gente e entrou gente, com destino ao Faial. Ninguém deu conta de mim, que chorava lá em cima, sozinha, gelada, feliz e a recuperar da feitiçaria daquela viagem, como quem recupera dum orgasmo violento que se prolonga muito para além do momento.
Por muitos caminhos que percorra, por muitas maravilhas onde ponha a vista, se tenho que eleger um momento, um só, é este, a noite em que as Velas se transformaram em estrelas.

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