quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Chapeladas e Bengaladas

Lembrei-me das descrições queirosianas de trocas de chapeladas e bengaladas no hemiciclo entre deputados. Literatura clássica e bem actual, excepção feita ao desuso em que caíram as bengalas e os chapéus. A Assembleia da República é um órgão sediado em Lisboa e geograficamente afastado do Portugal Concreto. O que lá se passa, os debates, as discussões, as intervenções, os plenários, as votações, é matéria dum filme português, ou seja, com pouca visibilidade e reduzida audiência.

Desde 1997 que os trabalhos parlamentares são difundidos nas redes públicas e privadas de televisão por cabo, com variadas críticas desde então, mas com esta elementar verdade: o canal existe, ainda que não vá além da transmissão das sessões e está disponível na internet.
Mesmo com uma população que não se interessa sobremaneira pelos assuntos do dia a dia do país, numa manifestação de clara despreocupação e negação da posição participativa e contestatária, seria bom haver uma maior aproximação para com a Assembleia da República, com o duplo intuito de estar informado e poder reagir. Porém, independentemente de se concordar ou não com as regras de linguagens televisivas utilizadas e com a adequação ou não dos processos de transmissão da mensagem, o Canal Parlamento é elitista pois só está acessível a quem tem televisão por cabo. A RTP2 tem um cheirinho, mas coisa pequenina.
Porque não se faz uma telenovela cuja acção decorra no Parlamento? Colocava-se a AR em horário nobre nos canais públicos e com milhares (ou se calhar milhões) a assistir.
Das últimas iniciativas entradas na AR constam a ‘Agilização da elaboração de Planos Municipais de Ordenamento do Território conforme com Planos Municipais de Pormenor eficazes’ ou a ‘Ratificação da Convenção Internacional da ONU sobre a protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e membros das suas famílias’ entre muitos outros. Isto dito assim, ainda antes de se chegar ao fim da frase e já se arrecadam suspiros de enfado! Mas a conversa seria outra se se dramatizasse a história da coisa: A quem é que ‘isto’ afecta ou beneficia? Como é que ‘isto’ chega à discussão? Quem a promove? Como e quem decide se será assim ou assado? Como se podem levar assuntos a serem discutidos na AR? Esta dinâmica não envolve pessoas com determinações, interesses, medos e desejos? Pessoas que se entregam a causas e pessoas que nem querem saber o que está em causa? Ministros que se demitem e que são demitidos? Escândalos e suspeitas de corrupção não faltam, nem é preciso puxar pela imaginação... Pares amorosos? Também se devem conseguir encaixar... encaixam-se em todo o lado...
Assim, duma assentada só, criava-se uma espécie de rede social (estão na moda e não há quem não discuta o episódio de ontem da sua novela com amigos, familiares ou vizinhos...) sobre aquilo que mexe com o caminho do nosso país, incentivavam-se as pessoas a interessarem-se pela politeía e até se conseguia pôr os próprios eleitos a verem-se a eles próprios e as figurinhas que por vezes fazem...
O que é a Aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade? - que até se nos enrola a língua para fazer a pergunta... A resposta está na Constituição Europeia, que sempre foi qualquer coisa afastada e longínqua do comum dos mortais, e que ‘alguém’ escreveu.
Os jornais têm sempre garantida a leitura das páginas de desporto e os blogues intervenientes, participativos e incómodos, no melhor dos sentidos, existem e vão abrindo olhos. A Revisão da Constituição em 2010 no Facebook tem quase 700 seguidores o que se aplaude pois só o facto de se discutir é sempre bom sinal.
Falta uma coisa a que a grande maioria das pessoas abra a porta voluntariamente e que lhes suscite o interesse, que as envolva, que as motive, que as concentre, que as absorva, que as inquiete e que as desassossegue: uma telenovela!

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