quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006

Zé Luís
Já comecei a escrever duas ou três vezes e apago (antes diria, rasgo) tudo e começo de novo. É uma característica minha, é difícil começar. Outra dificuldade que tenho é expressar-me por palavras, oralmente. Sei o que quero dizer, mas parece que as palavras se atropelam para sair, todas querendo ser as primeiras, o cérebro a dar ordens, privilegiando as mais bonitas que, invariavelmente, se escondem ao abrigo das mais vulgares, acabando por não sair nada que se aproveite.
Não sendo envergonhada, sou meia medrosa e penso que será esta a causa de tamanha parvoíce, porque sou assim com toda a gente, amigos, conhecidos, desconhecidos. Enfim, muitas vezes, acabo por não dizer o que quero, se bem que também não deixe (quase) nada para dizer pois, por outro lado, algo me perturba e asfixia se fico com palavras pensadas e não ditas. E tenho qualquer coisa para lhe dizer.
Se faço bem as contas, conheço-o há um ano, mais coisa menos coisa. E admiro-o.
Já conversámos inúmeras vezes, acerca de inúmeras coisas, de trabalho, de pessoas várias, viagens feitas e por fazer, eu sei lá o quê. Nestas conversas e noutras, de corredor, entre duas anedotas, verídicas ou não, a sua expressão facial, embora mude, mas mantém traços comuns. Por vezes, zangado, transfigura-se um pouco. Mas esta mudança consubstancia-se mais na torrente de palavreado e impropérios que deita cá para fora, do que propriamente na mudança das expressões faciais que, rapidamente voltam ao normal. Outras vezes, formam-se rugas de preocupação, de incredulidade, mas que, também essas, dão lugar à sua normal aparência.
Naquela tarde quando conversou comigo, acerca dos seus problemas, até agora inultrapassados, não foi a sua expressão que mudou, a sua cara ficou igual. Foi a sua voz, juntamente com o seu olhar – o olhar é um traidor – que me chamaram a atenção e que me transmitiram a carga de infelicidade que lhe ia na alma. Falou duma forma tão clara e tão calma, sem qualquer tipo de manifestação corporal que me deixou ficar aturdida. Por um lado, porque a conversa surgiu da forma mais simples, na sequência da leitura de um livro para pais e educadores. Por outro lado, porque as questões que mais nos tocam, que nos fragilizam, que nos expõem, são aquelas sobre as quais não conversamos, pois revelam a nossa incapacidade de fazer qualquer coisa ou de atingir qualquer objectivo.
Tanto quanto me lembro, respondi-lhe com uma quantidade mais ou menos generosa de parvoíces. Quando saímos, não sei se parecia mas ia a pensar no assunto e tentei colocar-me no lugar da sua mulher e dei comigo à porta do inferno…querer ser mãe e não conseguir…. Imagino que já lá esteve várias vezes. No dia seguinte convidei-o para beber café e não consegui dizer-lhe nada, do que tinha para lhe dizer. Ontem ia a sair quando o encontrei e só depois percebi que ia de férias e hoje já não nos encontraremos.
Não sou médica, nem feiticeira (com grande pena minha), mas sou crente. Em quê? Nem eu sei. Mas sou. Não resolvo nada, mas nunca me sinto inútil enquanto alguém me procura para partilhar um problema porque, não o resolvendo, alivia-se a carga que carregamos às costas, parecendo tornar-se mais leve.
Assim, quero dizer-lhe que lhe agradeço ter sido merecedora da sua confiança, que o levou a contar-me aquilo que eu não suspeitava e que me transportou a uma faceta desconhecida da sua vida. Desconhecida, triste e infeliz. Eu vivo a infelicidade de algumas pessoas, assim como vivo a felicidade dessas mesmas pessoas.
Acredito que nada é impossível, que tudo se consegue. Por vezes, à custa de grandes sacrifícios, de dor e lamentos. Mas quando o objectivo é tão nobre, quanto o vosso, os espinhos do caminho, atingido o objectivo, transformam-se em relva fofa e nem nos lembramos das mazelas que fizemos nos pés, para percorrer esse caminho. O calor do riso duma criança feliz e as cores com que a nossa vida passa ser pintada, escondem para sempre o cenário cinzento, por vezes negro, em que se viveu, durante algum tempo que, agora, parecem séculos e depois… ninguém se lembrará.
Conte comigo para falar (sabendo antecipadamente a péssima conversadora que sou) ou só para ficar em silêncio que é algo que nunca se deve fazer sozinho, pois corre-se o risco de esquecermos que os outros estão aqui, que existem. Calculo que deve ter momentos em que perde a capacidade de pensar, de alinhavar discursos de circunstância, conversas de corredor. Fique em silêncio, mas procure companhia. Se lhe apetecer esgrimir a sua contenda com o mundo, grite; transfira a sua raiva e tristeza para alguém seu amigo e descarregue tudo: seja mau, mas não deixe ficar dentro de si, sentimentos que só poderão ganhar raízes e desenvolver-se. A pessoa eleita perdoar-lhe-á tudo, porque é o que os amigos fazem, têm uma infinita capacidade de perdoar.
Em suma, o que lhe quero dizer, é bem simples: quando precisar de mim, não deixe de me bater à porta.
Tenho a certeza que as suas férias vão correr bem. Primeiro porque merece, depois porque para férias azaradas, chegaram as minhas.
Boa sorte.
Com muita honra… a sua amiga
Camila

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