sábado, 16 de outubro de 2010

Terra da treta

Vou às Finanças na Loja do Cidadão tratar dum assunto. Mesmo com simplexes o sistema está lento. A funcionária que me atende é simpática e eu digo-lho. Ela sorri tristemente e diz-me que paga a simpatia. Explica-se: o sistema regista o tempo que demora a atender um cidadão e quando há casos simples - não era o meu caso - as médias de tempo de atendimento são registadas como boas médias, como médias a seguir, como médias a copiar. Isso retira-lhes tempo para serem simpáticos. Explica também que estão a fazer nova remodelação no sistema informático ou seja, ficam sem acesso a certas informações que, sendo necessárias de repente, obrigam o cidadão a procurar a Repartição e os seus canhanhos para retirar e confirmar elementos que depois serão então entregues à frente avançada do simplex. Por um golpe de sorte não foi o meu caso, mas também não precisava de mais azar: vendi uma casa há cerca de três anos e informei as Finanças do seu valor. Um dia acordei a chorar desalmadamente e só percebi porquê quando me lembrei que era o dia do pagamento das mais-valias correspondentes. Paguei, calei e continuei a chorar. Passados tempos recebi uma cartinha das Finanças a darem-me uma novidade: nos entremeios da venda e da entrega da declaração às Finanças, uns camaradas quaisquer avaliaram a casa acima do que eu tinha nas minhas papeletas. Resumindo, venha cá minha minha senhora e faça nova declaração com o novo valor da sua casa. Calma aí, disse eu, vamos lá ver a coisa primeiro, até porque vocelências dizem que posso reclamar e eu quero exercer esse direito. Trocámos então correspondência, eu sempre com pompa para eles, a dizer que a casa estava cada vez pior, como era possível que a avaliassem daquela forma? Quem é o avaliador? O Mister Magoo? Claro que não levei a melhor e mesmo provando que a casa tinha sobrevivido a duas inundações de monta das quais lhe ficaram cicatrizes desvalorizadoras, as Finanças abriram os olhos e pedem-me agora mais de três mil euros, através dumas contas e equações que provam, dizem eles, que a diferença do valor da avaliação é assim e cala-te e paga!
Como se isto não bastasse nesta mesma tarde o meu pai foi ao hospital com queixas graves, confirmadas pelos médicos através de exames e análises. Dizem que precisa de fazer um exame mas que o hospital só o faz se ele estiver mesmo muito mal, a perder sangue nas fezes. Até lá tem que esperar que a médica de família regresse de férias, que lhe prescreva o tal exame, que o marque num dos dois lugares da capital onde se faz através da segurança social, que espere a sua vez e... paz à sua alma, terá o Padre dito entretanto. Ou seja, tem que estar a morrer para lhe fazerem o exame, pergunta a minha mãe; sim, responde a médica titubeante, mas muito simpática. Será a mesma simpatia da senhora que me atendeu hoje de manhã nas Finanças?
Que país é este onde os sorrisos se pagam? Que país é este onde o trato com as pessoas foi substituído pelo vazio de resultados mascarado de poupanças desumanitárias?
Quem mais ordena desta forma terá algum dia feito atendimento ao público ou sido atendido num hospital público? Com um ónus de aborrecimento que arranjei de manhã, mais esta notícia da parte da tarde, só me restou pensar que é sexta feira e esperançar no fim-de-semana. Mas ainda subsistia a questão do exame, que era preciso marcar. Atendem-me as senhoras telefonistas da clínica Quadrantes, Crear e CUF, esta última sempre com valores na ordem de quase dobro de qualquer outra para fazer seja o que for e que me faz sempre pensar que as marquesas devem ser em platina e não em ferro ou alumínio ou noutro material qualquer como as outras. Marca-se o exame, por via particular, não vemos outra forma.
Não estranharei nada o dia em que sair um decreto a mandar dar uma injecção de misericórida nos que apareçam nos hospitais a necessitar de exames difíceis, ainda por cima velhos sem utilidade para esta sociedade tão nova, limpa e que se quer fácil e directa, eficaz com os cidadãos. As pessoas que se lixem.

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