O meu pai tem consulta no hospital ao lado do meu local de trabalho. O dia está chuvoso e é difícil encontrar estacionamento. Falamos ao telefone e eu digo-lhe que vou ter com ele e que procurarei lugar para o carro enquanto ele vai à consulta.
Desço em direcção ao portão e chove desalmadamente. Vejo que não consigo sair porque a água tem um palmo de altura. Ele está estacionado em frente ao portão, refém no carro. Em dez segundos, repito, dez segundos, a água sobe de tal forma que passa por cima das rodas dos carros e chega às portas. No portão, recuo face ao avanço da água, afasto-me cada vez mais do meu pai com quem já nem consigo falar ao telefone por causa do barulho da chuva.
A água continua a entrar empurrando tudo, com convicção e sem intervalos. Alguém fecha o pesado portão mas não sem antes a água ter inundado várias salas. Ainda não passou um minuto desde que ali cheguei. Estou verdadeiramente impressionada.
Subo e deparo-me com uma bateria de computadores em cima dos quais chove como na rua. Sei que os monitores estão presos às mesas. Tento desviá-las mas os fios são tantos e estão tão apertados que não sou capaz. Peço ajuda a várias pessoas e, mesmo juntos, somos incapazes de fazer seja o que for. Estou mais encharcada que um doce conventual. Falta a luz. A confusão é total. Lembro-me que saí à pressa e deixei os telefones e a mala em pantanas em cima da secretária com a porta aberta. Peço que mos vão guardar enquanto falo com vários alunos que por ali andam, prisioneiros deste palácio, tal como nós.
Isto tem que parar. Espreito por uma janela e vejo que o portão continua fechado e há dezenas de pessoas em frente dele querendo sair. Através duma pequena janela do portão verifico que o carro do meu pai já lá não está. Ligo-lhe e fico a saber que conseguiu avançar para apanhar a minha mãe, com quem entretanto também falo, e que está molhada até aos joelhos.
Volta a luz.
Depois de passar a grande confusão verifico que em 20 minutos fiz 16 telefonemas!
Agora é o rescaldo. Água a escorrer pelas paredes, corredores intransitáveis com água que parece vir até do Tejo e nós com ar de pescadores de rio com a roupa manchada de água até às virilhas.
Lá fora ouvem-se carros a apitar, sirenes, muitas sirenes que se cruzam, nem quero imaginar o que vai pela baixa da cidade. Continua a chover embora moderadamente. O meu pai não foi à consulta, vai já a caminho de casa. Penso que estão criadas as condições para apanhar uma valente constipação. Penso também no sem-abrigo que ‘mora’ por baixo da escada da igreja a 100 metros daqui, coberto de folhas de papelão. E sinto uma gigantesca vontade de chorar.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Chovem canivetes, chove a cântaros, chove a potes, chove muito!
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