Um dos concursos que dão actualmente na televisão (as pessoas sem mais nada para fazer vêm muitos concursos e eu estou numa fase assim) é uma competição para ver quem perde mais peso. Parece-me saudável até porque passa uma série de mensagens ecológicas relacionadas com a obesidade, gasto de recursos, plásticos, etc. Este é o tipo de concurso onde eu gostava de entrar, ou seja, talvez num esquema daqueles eu conseguisse emagrecer, embora, felizmente, não me assemelhe a qualquer deles, pesos pesados americanos, pesados mesmo.
Com tanto médico que os assiste, será que há dentistas? Eu preciso dum. As dores de dentes que me assolaram há semanas atrás voltaram, cansadas doutras existências, voltaram a mim, eu que nem pensava nelas, para as afastar o mais possível. Terão que esperar, tal como o condomínio, até ao mês que vem; até lá serei consumidora de analgésicos e perderei aí duzentas gramas pois comerei menos uma vez que me custa mastigar.
Porém, sinto-me uma biggest loser a cada dia que passa, não no sentido de perder peso, mas de ter perdido o que dei como certo, aquilo que adquiri por herança, aquilo que achei que construi ou que ajudei a construir. Há dias mais difíceis que outros, há dias mais pesados que outros e não controlo nem domino a densidade da dor, do afastamento, do silêncio. Há dias em que a incompreensão atinge limites que desconhecia existirem, em que a dor é superior a todas as dores de dentes, é superior à fome que sinto e que não posso matar porque não consigo mastigar. Há dias em que não consigo mastigar nada, nem a minha própria tristeza. Afogo-me em leituras, a única coisa que me consegue levar deste limbo para outras realidades. Tenho saudades de Coy que não vejo há anos; está dentro dum livro de Reverte, seu pai, que jaz numa prateleira do meu quarto. Não é meu esse livro, foi-me emprestado e não o devolvi porque, não sei explicar como, tê-lo é guardar um bocadinho de voz e presença das mãos que mo fizeram chegar. Quando não se tem nada, isso já chega.
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