sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Superstições

Sou supersticiosa. O que hei-de fazer? Nada.
Desde pequena que o meu pai nos incutia formas de fazer, ou não fazer certas coisas, que me ficaram inculcadas para sempre. O meu filho diz-me que a superstição me retira liberdade. Ouço-o de olhos abertos. Há vezes em que parece mais velho.
O meu pai calça sempre primeiro o pé direito, meia ou sapato, a perna direita das calças e a manga direita das camisas ou casacos. Se o ajudamos e tentamos virar a coisa, ele revira-se para enfiar o braço pela ordem certa. Quando éramos pequenas ele ficava deitado no sofá a dormir com os pés pendentes. Muito devagar íamos desapertar-lhe os sapatos, o esquerdo em primeiro lugar. Não sabemos como mas ele sentia e zangava-se. Não se faz, dá azar. Assim como dá azar mudar a roupa da cama à sexta-feira, o que me deixava a pensar, das inúmeras vezes em que ele esteve hospitalizado, como é que permitia que os lençóis fossem mudados todos os dias. Os hospitais são locais tão tristes que só por si estavam isentos daquela superstição, pensava eu.
Não deixem o pão virado ao contrário em cima da mesa, dá azar!, nem os sapatos virados para baixo no chão, morre a mãe!, não se canta à mesa, morre o pai!, não se sentem aos cantos da mesa, não se casam!, não cortem a casca da laranja inteira, dá azar!, não ponham malas nem chapéus em cima da cama, dá azar!, não passem por baixo de escadas, dá azar!, não deixem as gavetas abertas, foge o dinheiro!, não entornem azeite, dá azar!, não partam vidros escuros, dá azar!, não limpem o chão com papéis ou lenços, dá azar!, não estejam as três a fazer a mesma coisa, morre a do meio!, que no caso era eu, pois uma é mais velha dois anos e a outra quase nove mais nova!
Há coisas que fazemos naturalmente como cantarolar à mesa, mas há outras que, de maneira inata, me vejo a cumprir com as orientações dadas diariamente desde sempre pelo meu pai.
Quando falo em qualquer coisa menos boa procuro instintivamente madeira para lhe dar três pancadas. E dou. Posso ter tudo desarrumado mas não deixo gavetas abertas e vou fechando-as se as vejo escancaradas a mostrar as goelas, o que acontece com frequência no meu trabalho. Já tomei refeições em desconforto total e em posições ridículas por ficar com a maleta no colo e me recusar deixá-la repousar no chão. Uma vez venderam-me um mecanismo simples para pendurar a mala na mesa, mas das duas, uma: ou me esquecia simplesmente da geringonça ou punha-a e ficava a mala a badalar-me nos joelhos. Por isso detesto cadeiras com costas redondas!
À força de anos a praticar tenho as superstições entranhadas na pele e vivo com elas e quando me interrogo porque agi assim ou assado e não encontro explicação, penso que da próxima vez farei como calhar. E calha fazer sempre igual.

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