domingo, 10 de outubro de 2010

Poupança ou forretice?

Uns amigos dos meus pais tinham como vizinhos um casal de velhotes que consubstanciavam a palavra poupança. Ou seria forretice?
Viviam sozinhos e tinham duas sobrinhas emigradas não me recordo onde, que vinham passar um mês a Portugal todos os anos em Agosto. O calor alentejano não as incomodava até porque os tios tudo faziam para ter a casa pronta para as receber e tinham instalado um aparelho de ar condicionado, o primeiro lá na terra e, durante anos, o único, incluíndo cafés e outras casas comerciais. A Tia fazia grandes comezainas e iam com regularidade ao restaurante, na vila ou fora dela, se assim fosse do desejo das queridas sobrinhas. Não davam passo sem ser no automóvel do Tio, por insistência dele, que as levava onde queriam e lhes emprestava o bólide à vontade. Porém, quando Agosto começava a chegar ao fim e o par de sobrinhas iniciava a expedição lá para de onde tinham vindo, aquela casa sofria uma mudança radical.
Mandavam desligar a luz e fechavam a água. Usavam então um candeeiro a petróleo e tiravam a água do poço do quintal para todos os usos, incluíndo para beber. A televisão era tapada com um pano e descansava nos onze meses seguintes. Faziam o comer ao lume na lareira em panelas de barro. Iam ao mercado já quando os vendedores estavam a arrumar as bancas e pediam a fruta e legumes tocados ou restos que já não se vendessem aliviando assim os vendedores de lidar com produtos que iam directos ao lixo. Em frente à casa deles, e dos amigos dos meus pais, havia um grande depósito de cereais que chegavam das mais diversas formas em sacas atadas com cordéis; depois da azáfama da descarga, ele ia apanhar os cordelinhos que ali ficavam espalhados, orfãos entregues ao vento, e levava-os para casa, onde a mulher se entretinha com eles a fazer cortinados e naperons.
Ao longo dos últimos anos tenho aprendido e ser poupada e faço coisas que não pensei nunca fazer, mas quando me lembro deste casal de viajantes no tempo, tenho que sorrir, porque embora os tenha conhecido pessoalmente, continuam a parecer-me personagens de ficção.

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