terça-feira, 19 de outubro de 2010

“Não sei onde estão os desempregados deste país, mas não estão no Douro”

Quem faz esta afirmação é Frederico Meireles num artigo do Jornal de Notícias com o título 'Este país não gosta de calçar galochas'. Diz ainda que ‘se não fossem as comunidades búlgaras que emigram para cá de Agosto a Outubro e as empresas de trabalho temporário, teríamos que cessar o negócio’ (sic da caixa na edição em papel) e continua '...a pouca mão-de-obra que existe disponível está entretida com as formações de rendas e bordados que o Governo inventou para elas". Quem ali trabalha, consegue auferir cerca de 2000 mil euros no fim de uma campanha, "mas fazer formação dá muito menos trabalho" '
Ora toda a gente sabe que quanto menos trabalho melhor, digo eu. Os exemplos são vários das pedinchices a que nos habituámos, Novas Oportunidades incluídas. Quanto menos fizermos e mais conseguirmos sacar a alguém maior é o nosso estatuto de herói aos nossos próprios olhos. Olhamo-nos ao espelho e sorrimos contemplando a nossa figura.
As crises estão na ordem do dia mas as filas de trânsito crescem; discute-se o orçamento mas o Portugal real dá mais importância ao que o Ronaldo e a namorada gastam em sapatos; temos a vida de pantanas e o futuro hipotecado mas há urgência em saber tudo sobre a filha da Bárbara Guimarães.
Falta-me a paciência cada vez mais e pergunto-me, para quê gastar tempo com a maioria das pessoas? Fazem-me falta as conversas, mesmo sem nexo, com certo Amigo, testemunhadas por uma garrafa de vinho e uma refeição. Fazem-me falta as perguntas dele, sempre crítico, activo e questionante. Perguntas que podem ser de retórica, não interessa, perguntas que querem saber se eu já li este ou aquele autor, na maior parte das vezes, na grandíssima parte das vezes, que não li. Mas ele leu e relata-me o pensamento de gente como se os tivesse conhecido e eu ouço-o e invejo-o.
Este Amigo não tem medo nem pejo em calçar galochas, antes pelo contrário, mas já mirrou aquela cepa e já só o temos a ele e nem mesmo assim sabemos reconhecer o que vale mesmo a pena. E se alguém puxar do adágio e disser que tudo vale a pena quando a alma não é pequena, eu respondo que as almas estão em vias de extinção.

A propósito de galochas, agora num registo mais leve, numa ocasião em que fomos à Serra da Estrela, os meus pais tinham oferecido ao Duarte um fato de neve, maravilha adquirida nuns saldos do Continente e que trazia luvas e óculos de neve incluídos. Um estrondo.
Lá subimos até perto da Torre, o rapaz com os seus sete ou oito anos enfiado naquela carapaça, no banco de trás com ar de artista, bota de borracha metida por baixa da perna da calça de tecido de impermeável. Estacionámos à vontade num dia de semana com a neve para nós e mais meia dúzia de outros esporádicos visitantes. O Duarte saiu do carro com a imponência dum habitué de Chamonix e quando me viu ir ao porta-bagagem e substituir as botas por umas de borracha brancas com salto verde – património que ainda hoje não sei de quem herdei – puxou os óculos que lhe davam ar de mosca para o alto da testa, pôs as mãos à volta da cintura e disse:
- Mãe! Com franqueza! Trouxeste as botas de lavar o quintal?
Só não nos deitámos para o chão a rir porque havia neve em todo o lado.

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