terça-feira, 27 de abril de 2010

Revolt in the desert

O V. casa-se e eu é que sou presenteada! Aterrou-me outro T. E. Lawrence na secretária, desta vez Revolt in the desert. Fui avisada desta chegada pelo telefone há dias e, com voz de desculpa, ele falou-me da capa, que tinha algumas manchas e etecetera e não estava em tão boas condições como o anterior. Concluo que o V. não percebe nada de livros!
É bom ter um livro novo, eu que o diga, de preferência a cheirar a livro, e note-se que nem tudo o que cheira àquilo que é, é bom, veja-se o caso do borrego, tão apreciado, mas com os livros é diferente – com os livros é sempre diferente – o cheiro a virgem, a tinta, a papel, são tardes soalheiras de prazer. Porém, há uma fasquia de livros que, usados, valem por muitos dos novos.
Um romance pode chegar-me às mãos em invólucro novo, ou seja, em livro acabado de comprar, direitinho, imaculado de cheiros, grãos de areia, migalhas, papéis ou bilhetes de comboio. Algumas das suas páginas serão dobradas no canto, uma dobrazinha pequena, minúscula, que me facilite a vida quando quiser encontrar aquele parágrafo de novo, uma cábula em forma de dobra.
Uma biografia será, com elevada probabilidade, submetida a sublinhados. Um livro técnico com garantida certeza levará, para além dos sublinhados, palavras escritas nas margens, de lado, detalhes que me ocorrem, perguntas que ficam por ali. Um livro especial fica com memórias escritas nas entrelinhas, como se criasse um livro dentro de outro – o último foi Uma vida entre livros de José Mindlin, um garimpeiro de livros como ele se chamava, e que tive o prazer de conhecer pessoalmente na sua casa em São Paulo, pouco antes da sua morte em Fevereiro de 2010.
Entre várias outras categorias há os livros que me merecem devoção. Este que acabo de receber é um deles, não emprestável, é claro. Chamem-me o que quiserem, acusem-me de egoísmo, a ver se me importo. Podem mexer-lhe, lá em casa, mas acreditem que o facto de não virar costas um segundo não é coincidência, será propositado este controlo que já anuncio.
Um livro conta histórias ou estórias, nem que seja sobre equações ou física quântica. Mas este objecto eterno – estou convencida disso – vai muito para além das palavras que contém, atingindo o âmago dos que com ele estiveram e é por isso que os livros gastos e usados pesam a vida dos que por eles passaram. Agora imaginem um livro poderoso cujo conteúdo, palavras e espaços, é um marco na história do mundo, mas cuja edição não cheira a novo, mas antes revela páginas manchadas de tempo que passou, com invisíveis impressões digitais de desconhecidos, que fala(va)m línguas distintas mas igualmente desconhecidas para mim e que, cúmulo, é da autoria do meu aventureiro fetiche, sobre um assunto que me prende voluntariamente em qualquer solitária. É a diferença entre pão com manteiga para matar a fome e toucinho do céu para alimentar a gula. É a diferença entre um postal com uma imagem do mar e um mergulho.
Este livro contém ainda várias ilustrações, algumas delas feitas a partir de desenhos e que nos mostram visualmente alguns dos protagonistas deste épico da vida. Por fim termina com um mapa onde leves tracejados a vermelho nos dão a dimensão das viagens que envolvem a acção descrita. Um mapa... falarei dele, e doutros, em altura apropriada.
Mas, como quem chega ao fim dum livro e ainda tem como bónus um posfácio, eu tive como prémio um postal. Com um farol, é claro, a minha futura e eterna casa. E com um beijo do tamanho do mundo, subúrbios incluídos.

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