quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ó-lá! (entoação telefónica...)

Ó-lá! (entoação telefónica...)
Rapaz, tu és um rufia! E dos piores... Não te serves dos punhos, mas dos dedos enquanto veículo de descarga do que te vem de um qualquer órgão, do qual só há esse exemplar, e que se consubstancia numa mistura de coração e consciência, cuja residência deve ser ali p'ros lados da tua cabeça! Atiras pedradas e nem escolhes as pedras... tudo te serve: ora pensamentos alheios, ora próprios, reflexões, sentimentos, alvoroços, carinhos, preocupações,... e partes janelas e grades com a força duma tempestade, com a energia dum tornado, com a subtileza dum céu ao entardecer que de rosadíssimo passa a negro e nos aparece adjectivado como um ovo, estrelado e delicioso. Disse e reafirmo... és um rufia e dos piores: não foges! Ficas ali à espera de resposta, pronto a atacar novamente e usas nomes de pessoas, datas, feitos históricos, políticos, citações e, crime dos crimes - não duvido que um dia serás punido por tal acto - usas a poesia... Mais ainda, como num qualquer filme de ficção científica, entras na cabeça das pessoas e reordenas os gostos, as preferências, obrigas os comuns mortais a rirem-se quando assim o entendes, a chorarem com as tuas palavras que, como a mais pura heroína, faz brilhar os olhos de quem a espera ansiosamente e a quer tomar de vez não temendo overdoses... Oh, ser perigoso, que andas incólume por esse mundo a distribuir poesia desta forma, como se de uma nova forma de crack se trate, para me deixar agarrada... Não, não me desmintas, não te atrevas! Sem qualquer pudor, ages em diversas frentes... e atinges o teu alvo na língua minha pátria, buscando línguas nórdicas, caminhando pelo francês, avançando pelo espanhol, expondo o inglês... nada te pára... agora suspeito a verdade sobre a lua nova... és tu o ladrão daquela bola branca que volta e meia deixa de nos iluminar... deves roubá-la para a dar ao teu anjo... nem quero imaginar o que essa pobre não passará em tormentos ao lado duma pessoa como tu... sim, imagino-te a oferecer-lhe uma ramo de flores... mas o que terá ela que dar em troca... vejo-a transformada em coração, toda ela um enorme coração, para se te dar como forma de te retribuir, cavaleiro errante, principalmente depois dos teus comícios, de onde sais nu, depois de te teres dado a todos e a ninguém, e ela, a pobre que mesmo que não o seja, passará a sê-lo, pois vejo-a a dizer-te que quer ser o cachecol que te abrigará dos ventos frios, as luvas que te aquecerão as mãos, as botas que não deixarão o frio maltratar-te, o casaco que te aconchegará, que quer permanentemente abraçar-te a ti que, mesmo quando ela dorme sente-te a velar por ela... como te pagará ela a segurança que tu lhe demonstras, a confiança que lhe fazes nascer que, antevejo, soltas do teu íntimo como uma música através da qual ela avança como se fosse um grão de pólen que sabe que vai poisar no sitio certo... Mas tu, não contente, oh, insaciável!, não te ficas por ela... falas em lealdade de companheiros, em confiança, saudade de amigos... a todos tens presos e amarrados como um feixe de vime, não te esqueces de ninguém como um fiel de armazém tem o seu inventário sempre em ordem... Como um vagabundo, saltas de terra em terra, miscelânea de caminhos que transportas contigo e proteges do frio glacial com essa tua força de pessoa inteira, com os teus olhos humanistas, com o teu sorriso de miúdo, com a tua cabeça universal, com as tuas mãos audazes, com o teu sentido de justiça e o teu coração corajoso. Pedes-me ajuda, a mim, para te elucidar sobre questões deste nosso mundo que dizes não entender... como poderei algum dia, nesta vida ou com experiência acumulada de muitas, dizer-te o que não sabes, a ti, camponês que matas a fome com música e deliras com sons que em ti encontram sagrado refúgio... a ti, marinheiro, que procuras sempre navegar em águas do bem estar alheio e que tudo fazes para transformar as tempestades do alto mar em lagos lisos e sem perigo onde os outros possam navegar... a ti, pessoa insatisfeita, que procuras o verdadeiro conhecimento, não desprezando a possibilidade de o encontrares numa qualquer pedra de qualquer calçada e que te rebelas contra a imbecilidade... a ti, filho, que falas dos teus pais como a árvore que deu fruto e abençoado seja o que nasce e não renega a sua origem, antes pelo contrário, a ilumina sempre e sempre e sempre... a ti, ser social, que te insurges contra a miséria humana, nas suas mais variadas formas e que enobreces a igualdade entre as pessoas... a ti, amigo, que partilhas, que não esqueces, que dás, que ofereces... a ti, que pulsas inteiriço quando vês o mundo com os olhos de deus, suportado por uma asa que te leva com o invisível vento para dentro de ti próprio, para ressurgires renovado e em paz... a ti, enamorado, que quando escreves sobre o teu amor, nota-se um moldar diferente das letras, como se aparecessem mais devagar, como se sorrissem, na tentativa de prolongar a lembrança, principalmente quando estás longe dela, como o mergulhador lembra e quer o oxigénio puro, para o alimentar e sente-se apenas sobreviver com o ar artificial que lhe pesa nas costas... a ti, pai, que apesar de viveres com dúvidas e medos fazes da esperança uma força maior... Não, não te posso elucidar a ti, Idiota maior, dum mundo de idiotas em vias de extinção, espécimes raros. Se depender de mim, e eu trabalharei afincadamente nesse sentido, instituir-se-á um movimento a favor da preservação de gente como tu, animais irrequietos, rufias que agem na mentalidade instalada e cancerosa, guerreiros que buscam um graal tantas vezes deitado ao lixo por quem se arroga tudo saber e que se comprazem em escarnecer dos demais...
Recebe uma onda gigante de abraços e beijos
Camila

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