quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Aniversário de casamento

Se me tivesse mantido casada o meu casamento hoje faria 19 anos, mas não chegou a atingir esta fase da entrada na idade adulta. Ficou-se pela adolescência.
Era muito nova quando decidi que, se me chegasse a casar, seria dia 1 de Setembro. Da mesma forma, imaginei o vestido que usaria – curto! – e assim foi. Foi um dia feliz, muito feliz. Estava calor, estávamos bonitos, por dentro. Por fora também, mas isso é secundário.
Como passo muito tempo sozinha, e farto-me de pensar nas coisas, magico no percurso que não chegou a existir, na diversidade de caminhos que se criaram, nas pessoas diferentes que cresceram em nós, que julgávamos conhecermo-nos e afinal constata-se que ninguém conhece alguém, nunca. Temos essa ilusão e queremos convencer-nos dessa certeza, mas ela não é verdadeira.
Dizem que amar é aceitar o outro com os seus defeitos e qualidades, amar-lhe as imperfeições, querer que o outro seja feliz, custe o que custar. Dizem também que o verdadeiro amor é sofrido, em silêncio. Será? Viverei eu o verdadeiro amor agora? Tenho que me rir, para não chorar.
As pessoas acreditam que há um testo para cada panela, que há alguém que encaixará connosco na perfeição, mas nós encaixávamos como um par de botas e uma antena. Mas por haver gatos que ensinam gaivotas a voar, por existirem pontes estranhas que podem ser tão distantes como as de Madison County, o par de botas dedicou-se eternamente à antena, criando um casamento esquisito. Qualquer cego veria que não podia ser eterno, o casamento, não a dedicação, o sentimento.
Ao longo dos anos de divórcio vi o pai do meu filho mudar, captar mais vida do que ao longo da vida comigo, como se, de repente, tivesse sintonizado a antena. O primeiro e mais natural pensamento é que era eu que, de alguma forma, o impedia de fazer certas coisas, agir e ter comportamentos diferentes. Empurro de imediato esse pensamento porque me lembro de lhe pedir vezes sem conta para fazermos certas coisas que ele nunca queria e agora faz. E eu fico com cara de parva. Depois penso que era a minha companhia em si, e que ele estava convencido que me amava, mas que, mais uma vez era uma ilusão, apenas um convencimento que, com o tempo, ele viu não ser verdade. Reflicto sobre tudo isto e não consigo perceber, embora haja margem de manobra na percepção popular, se der ouvidos aos ditos que afirmam que com a segunda eles fazem tudo o que não fizeram com a primeira, e mudam completamente. Não consigo deixar de pensar que a incapacidade passou por mim e recordo que numa ocasião o meu já ex-marido pediu-me o telemóvel para ver qualquer coisa e com tanta vista deu cabo dele; disse-lhe que teria que o substituir e ele deu-me um antigo dele próprio, esquecendo-se que as mensagens estavam gravadas no equipamento e não no cartão. Quando a caixa de mensagens ficou cheia tive que seleccionar as que queria apagar e foi ai que vi as mais lindas declarações de amor escritas pelo meu ex-marido à sua actual companheira (acho eu que eram para ela). Eu nunca ouvi tal coisa da boca dele, muito menos com aquele tom, ainda que me perguntem que raio de tom se consegue ler numa mensagem sms, mas eu garanto que sim. Apesar disso, vejo-o quase sempre com cara triste e pergunto-lhe (talvez com frequência a mais da conta) o que tem para andar assim. Não consigo afastar-me do bem estar dele e concluo que fizemos bem em separarmo-nos. Talvez chegue a essa conclusão por achar que ele está melhor assim, talvez chegue a essa conclusão para não me sentir muito mal. Não sei.
Por vezes penso – ou sonho acordada – que ele vem viver connosco. Mas depois lembro-me de mil pequenas coisas que separadas são pequeninas e juntas fazem um mundo, um mundo do qual eu saí. Depois penso que ele está diferente, mas tenho a sensatez de saber que ele está diferente com outras pessoas.
O amor gigantesco que ele dizia ter esfumou-se em meia dúzia de meses, vive no local onde sempre o ouvi apregoar que nunca viveria por ser terrível a mais da conta, deixa a namorada conduzir-lhe o carro sempre, coisa que eu só podia fazer se ele estivesse doente ou muito, muito, muito cansado, vai frequentemente a restaurantes, quando cada jantar com amigos antes era um suplício porque era um gasto de dinheiro inútil, tem e usa equipamento de caminhadas quando nem ao café ia comigo.
Há dois dias mandou um saco com roupa do filho que tinha ficado lá em casa por altura das férias. No meio veio um boné que encontrámos uma vez nas férias e que nunca usámos, mas era uma espécie de símbolo, aquele boné era a distância pendurada algures lá em casa, era a surpresa do inesperado, era as próprias férias consubstanciadas no acidental, era a imprevisibilidade da qual eu sempre tanto gostei.
Curiosamente não era o primeiro boné que tínhamos encontrado, houve outros, mas aquele guardamo-lo e há dois dias foi despejado. Talvez pela proximidade do aniversário, eu senti uma tristeza imensa.
Neste dia ele recebia sempre uma prenda e eu recebia o agradecimento dele, que já era bom, pois podia apenas ter a reclamação sobre o dinheiro que eu tinha gasto. Numa ocasião convidei os nossos pais e irmãs e fiz questão de irmos jantar fora. Ofereci-lhe uma mala de viagem verde, pequena para poder transportá-la dentro do avião. Na verdade, sentia-me como se fosse eu que ia com ele de cada vez que viajava, aquela mala era eu, eu consubstanciada num dos objectos do meu fetiche, eu a acompanhar o meu marido para onde ele fosse.
Não afirmo que todas estas coisas fossem ditas verbalmente, mas eram sentidas e eu achava que não havia a necessidade de as verbalizar, bastava conhecer-me. Mas, repetindo-me, nunca se conhecem as pessoas.
As desilusões são de parte a parte, sempre, mas eu continuo na minha linha de pensamento e de acção, e sempre preocupada com ele, às vezes tanto que me dano comigo própria! Fico furiosa quando o vejo com nódoas, com colarinhos já gastos e velhos, com gravatas desfiadas, magro demais. Não há ninguém com olhos na cara naquela casa? Outras vezes vejo-o com roupa de marca, que sei ser cara, e pergunto-me como terá ido parar àquele corpinho. Se eu comprasse uma coisa de marca para ele levava um raspanete e isso levava-me a mentir acerca do preço das coisas que lhe comprava e, quando comprava para mim, dizia que era do ano passado. As artimanhas de que é preciso fazermo-nos valer...
Há fotografias dele espalhadas lá em casa, porque ele continua a viver connosco, duma forma ou de outra. Porque há amores que são eternos.

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