Não sou preconceituosa mas há coisas nas quais não consigo deixar de reparar. Talvez seja falta de hábito, quem sabe.
Entro no metro e ouço um homem a falar alto, bem alto. Ouço-o mas não o vejo. Vislumbro apenas a mulher para quem ele discursa, com voz forte, masculina, grave. Fala de coisas mundanas, uma festa para a qual não foi convidado, refere alguém com quem está magoado, diz que vai mudar de atitude com não sei quem.
O metro avança e as pessoas são vomitadas nas estações, deixando a carruagem cada vez mais vazia. Vejo-o então. São os seus gestos que me chamam a atenção em primeiro lugar. Gesticula muito. Algo na minha cabeça, de forma imediata, me diz que aqueles gestos e aquela voz não são da mesma pessoa. A voz é grossa mas as unhas são enormes, pintadas à francesa, cinco pontas numa mão cuidada e cheia de anéis. O tom é viril mas o cabelo pelo meio das costas, com nuances louras quase brancas, denota uma preocupação capilar inusitada nos homens. As afirmações são másculas mas o rímel está bem colocado, perfeito, a sombra nas pálpebras, perfeita, os lábios levemente rosados, perfeitos, indiciam um bom batom.
Em Lisboa não se encontram pessoas assim com frequência. Fiquei a admirá-lo, ou a admirá-la, não sei. Admirei a diferença, que me fez rir, confesso, mas também admirei a naturalidade e a força interior que manifestava, pois não é fácil ser tão diferente de forma tão descontraída. Não é fácil não ligar nada aos olhares que não se descolavam e que o apelidaram de drag queen. Era uma drag queen, ali, com um palco em movimento, com muito público. Não é fácil manter a normalidade face a presenças acusadoras, que se voltavam de todas as formas para o olhar.
Quando saiu fiquei a olhar pela janela os longos cabelos louros que caiam pelas costas em cima dum casaco azul-escuro cheio de estrelas prateadas. Quer queiramos ou não, ele era uma delas.
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