quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Snobisses

Selma Lagerlöf é uma escritora sueca, autora, entre outros, de A Viagem Maravilhosa de Nils Holgersson através da Suécia. Ganhou o prémio Nobel em 1909 e relata a sua ida para Estocolmo receber o prémio de… comboio.
Com imensa facilidade imagino alguém na Suécia a ir, ainda hoje, para uma cerimónia destas de comboio. Na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, até em Inglaterra, em cujo metropolitano se encontram rastas ao lado de smokings que vão à ópera. Porém, não vejo um português ir almoçar à tasca da esquina a pé, só se for metido no seu automóvel e se tiver alguém que o leve, então melhor ainda.
Ouço as pessoas dizerem mal dos transportes públicos e pergunto quando foi a última vez que andaram de comboio. Não se lembram, mas sabem que funcionam mal. Ouviram dizer. Desafio-as a fazerem a experiência, elas próprias e deixarem-se de snobisses, pois no fundo é isso mesmo, os portugueses são uns snobs.
Somos todos doutores. Assinamos doutor, identificamo-nos ao telefone como doutor, corrigimos as pessoas que nos tratam pelo nome e sublinhamos que somos doutores, não respondemos quando não colocam o doutor adiante do nosso nome. Temos imensas dívidas a tudo e a todos, créditos pessoais em barda, mas isso que importa quando é um doutor a pedi-los?
Alcandoramo-nos a donos de poderes inexistentes ou seja, convencemos os outros que somos poderosos, quanto mais não seja que detemos o poder de lhes servir a bica mais depressa ou mais devagar. Como isto é um jogo todos podem entrar, como se fosse uma corda gigante onde todos saltam ao mesmo tempo.
Quem anda a pé é apontado a dedo, quem não tem carta de condução é notícia nos jornais, quem não tem televisão devia ser internado num hospício. A posse de telemóveis sem serem o último grito (se não tiver telemóvel é porque já tem lápide no cemitério) é motivo de gozo, não ter televisão por cabo dá direito a escárnio. Afinal somos doutores ou somos o quê?
Um doutor passa à frente. Um doutor é cumprimentado com uma ligeira vénia, dependendo do cargo que ocupa, a vénia pode crescer. Um doutor adora reproduzir conversas e poder dizer ’Então, ele respondeu-me, Senhor doutor, blá, blá, blá’ e assim todos ao redor ficam a saber que ele é doutor. Um doutor é o último a ser incomodado. Palavra de doutor é lei, mesmo que seja em querela de condomínio e o doutor seja veterinário. Mas é doutor ou não é doutor? Brincamos ou quê?
Há dois dias numa reunião marcou-se um encontro na margem sul do Tejo e alguém teve o verdadeiro desplante de aflorar a possibilidade de irmos de barco. DE BARCO? Sim, os da Transtejo, a viagem é curta, é agradável passar o rio, é barata, não nos preocupamos com o estacionamento, são os barcos utilizados por milhares de pessoas todos os dias para irem de casa para o emprego e voltarem. Pessoas? Mas nós somos doutores!

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