Li um livro - O jardim das plantas - que contém uma descrição fabulosa de outras crianças, outros tempos ainda, mais duros e vividos. Tenho por garantido que se o meu filho o ler nem vai imaginar que aquilo não é uma descrição de aventuras e sim o relato da vida real, tão longe está daquela vivência, daquelas dificuldades, daquela realidade.
O livro em si é curioso mais pelas descrições paralelas de vivências de outros tempos, do tempo dos meus pais, do que pela história em si.
Está pejado de aspas, reticências, sinalefas de todas as qualidades e feitios que aparentemente criam ruído à leitura, se bem que se perceba que o autor lhes recorre para tentar elucidar-nos sobre expressões faciais, por exemplo, ou para recorrer ao linguajar da época ou ainda a expressões que caíram em desuso.
Na verdade é um livro muito visual, com recurso aos erros de linguagem que sempre se dão quando falamos, com interjeições a meio do discurso directo, paragens, intervalos que, no fundo, correspondem aos tempos próprios duma conversa.
A leitura faz-me sorrir com frequência, principalmente quando encontro expressões usadas pelo meu pai, e que eu abomino, como por exemplo bumba! Esta palavrinha designa um baque, um estrondo físico ou psicológico, e pode ser substituída por zás, toma, pumba, zuca e outras, todas lindas como se vê.
Diz o autor que quando eram crianças andavam sempre a correr e exemplifica; a descrição é real, visual e dura mas ternurenta. Fugiam, correndo, para a escola e principalmente da escola, dos pais, dos polícias, uns dos outros. Comparo esta actividade física incansável com a imagem dum garoto de hoje, sentado frente à televisão e com uma playstation nas unhas. Se não estiver diante do ecrã mágico está diante doutros ecrãs que coexistem e dos quais são cada vez mais viciados, seja do computador, do telemóvel ou do i-pod.
Agarrei o livro por falta de leituras e não me desiludi. Fez-me rir, embora não seja nenhum portento. Tem informação científica ou não fosse o autor um ex-professor de Agronomia, Luís Campos, o mesmo que tinha escrito O Estripador de Lisboa cuja acção foi copiada de tal forma na vida real que o autor chegou a ser suspeito do caso.
A introdução de informação científica é feita de forma clara e sem ser pesada, é natural e lê-se muito bem. Os livros de José Rodrigues dos Santos, por exemplo, contêm informação científica que nos é transmitida através de conversas entre os personagens mas que nos fazem parecer totós, enquanto cidadãos e enquanto leitores. Percebe-se que o autor quer fazer chegar a mensagem de forma clara ao maior número de pessoas, mas quando se colocam questões de lana-caprina na boca de especialistas, isso retira credibilidade às personagens e ao livro. Há longas conversas onde se repete informação já prestada e que cansam, informação que se parte aos bocadinhos para que o leitor perceba a natureza do que é explicado. São opções. Um livro lido recentemente e do qual já falei – Solar de Ian McEwan – também contém uma substancial carga informativa científica que o autor consegue transmitir sem cansar, sem rechear a narrativa de explicações, que se podiam tornar exaustivas. Na perspectiva de leitora vejo as diferenças essencialmente como um autor que escreve porque sente necessidade disso e tem material e conhecimentos para o fazer e outro que escreve para vender. Não condeno Rodrigues dos Santos, nada disso, é uma opção legítima, apenas digo que são duas escritas diferentes, onde o leitor é visto também de forma diferente. Se eu quiser saber mais sobre física ou sobre as alterações climatéricas, no âmbito de Solar, vou procurá-las, caso contrário, quando as coisas me parecem um pouco forçadas, sinto-me a ler um manual e não um romance.
O jardim das plantas a que tive acesso é edição de autor de 1994, tem a Universidade como pano de fundo, passa por casos amorosos entre um professor e uma aluna, viaja pela Europa com descrições divertidas e contém conversas de café interessantes entre responsáveis universitários, que ali projectam futuros.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
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