segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Inferições

Na minha demanda por um filtro de exaustor fui ao Braz & Braz, essa instituição secular que se rege pelo lema, O Braz & Braz tem, o que nem sempre se verifica ser verdade pois neste caso, não tinha. Fiquei a saber que a loja mudou de instalações, já em Abril, e agora está no Poço do Borratém, 150 metros mais adiante.
Na Baixa o calor fazia-se sentir com intensidade. Vi as esplanadas cheias de gente, na maioria turistas, e a entrada da Igreja de S. Domingos e o monumento ao massacre dos judeus em Lisboa estavam, como de costume, cheios de emigrantes, qual Belleville.
Mesmo quando vou com pressa, o que até nem era o caso, tento ver a cidade, apurá-la, senti-la. Se fecharmos os olhos naquele sítio ouvimos uma música que não vem de qualquer instrumento musical mas da multiplicidade de gargantas que se expressam em línguas diferentes, com mil sotaques para além das mil línguas, com risos ora calmos ora vibrantes.
Andava eu devagar a inspirar com calma aquela forma de maresia quando, da igreja de S. Domingos, vi saírem dois homens que, à primeira vista, não tinham ar de quem foi rezar: um com uma camisola verde com letras brancas onde se lia Argélie e calças de ganga, o outro com djellaba. Vi-os despedirem-se afectuosamente um do outro e continuarem por caminhos diferentes e questionei-me sobre o que os terá levado à igreja, a eles que pareciam muçulmanos.
Continuei eu também e, entrando no metro, pensei porque raio concluíra eu que eles não tinham ido rezar: pela roupa que vestiam? Por um deles trazer uma t-shirt, através da qual inferi que seria argelino, logo muçulmano? Por serem muito morenos com traços norte africanos? Claro que sim.
Imediatamente a seguir lembrei-me que estas inferições normalmente são erradas; basta ver a minha cara de hoje, de boa disposição, quando por dentro sinto uma ansiedade enorme que até me tira a fome, um mal-estar geral que não me deixa concentrar, uma angústia que me faz arder o peito.

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