segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Leituras de sempre

A aproximação do Outono e a dureza dos dias fez-me procurar imagens que me sossegam e me transmitem serenidade, mantendo a criança que há em mim bem acordada no fim de semana. Guardo livros de infância em local privilegiado junto ao meu quarto, onde os posso ver a qualquer hora, como se fossem uma companhia imemorial, garantida, segura, da altura em que a vida era diferente e tudo era grande na minha perspectiva.

Há três ou quatro livros que ainda me fazem sonhar, sonhos ingénuos, que me provocam arrepios, que me embelezam os olhos de menina que continuam a morar aqui e que se tornam sôfregos pela leitura, mas que se mantêm fiéis aquelas edições: Anita em Viagem e Um Dia na Praia são, talvez, os livros que mais vezes li, uma vez que ainda hoje o faço, deliciando-me com as imagens, transportando-me para aqueles sítios, fazendo daquelas personagens os meus maiores amigos.
Onde estão a crianças que liam aqueles livros, que se mantinham crianças durante tanto tempo? O que têm em comum com as de hoje que ainda não completaram a idade infantil e já vivem a idade adulta?
Eu passava para outra dimensão só com as capas, mas no livro da Anita em Viagem, a tempestade vista da janela do navio, estando no navio, fascinava-me e incutia-me coragem, falta de medo que, de facto, não tenho. Tive ocasião de contar aqui há pouco tempo como foi um cruzeiro acidentado no qual participei e do qual guardo exactamente as partes que os outros menos gostaram. Há pessoas para todos os gostos, eu sei.
A imagem da chegada a Nova Iorque, vista e lida milhares de vezes – o milhares não é exagero nem figura de estilo – que eu sabia ser a última do livro, era sempre uma novidade, um delírio. O porto de Nova Iorque, quando eu lá chegasse seria exactamente assim, com gruas que descarregavam navios gigantescos, e por trás do porto estava a cidade que eu ansiava conhecer como se fosse a minha terra natal há muito não visitada.
Mas a página onde este livro se manteve aberto mais tempo, dias, meses no total, era a da piscina do navio. Eu adormecia com o livro aberto naquela página, dormia com ele na cama, por cima da imagem, como se quisesse mergulhar nela durante o sono e me obrigasse dessa forma a lá entrar. Se era eu que entrava no livro ou se era o livro que entrava em mim, não sei, mas tenho a certeza que ainda hoje, nas minhas mãos, aquele livro e eu somos um só.
Quando eu for a Nova Iorque, fará parte da minha bagagem, disso tenho a certeza, porque foi ali, aos seis ou sete anos, que Nova Iorque nasceu para mim, como uma outra dimensão a descobrir. Como ainda não morri, vou a tempo.
O outro livro, igualmente comido e bebido por mim, era leitura de Inverno, quando eu sofria com a ausência da praia, da areia, do sol quente.
Ambos têm as folhas dobradas pois dormiam comigo no abrigo dos meus lençóis, numa altura em que as mensagens veiculadas eram de crianças obedientes, compreensivas, leais a princípios que, desde cedo, viam e copiavam. Os desenhos transmitem calma, alegria, serenidade.
Naquela descrição de um dia na praia eu era a protagonista e aquele castelo, mais do que construído por mim – isso sim um sonho, uma vez que ainda hoje sou incapaz de fazer um simples buraco na areia – era habitado por mim. E no final, o tesouro, um tesouro verdadeiro, dentro duma arca e tudo, com as coisas mais maravilhosas e valiosas que eu podia imaginar: búzios, conchas, frutos do mar que eu tinha em casa e nos quais metia o nariz com frequência, de olhos fechados inspirando o cheiro a maresia que durante anos mantinham. E lá vinha o arrepio na coluna, de prazer, enquanto ao mesmo tempo e numa rapidez incrível, na memória me passavam os momentos mais marcantes dos últimos Verões. Com este oxigénio eu vivia mais umas horas. Ainda hoje sinto que assim vivo.
Os livros estão em mau estado, eles que eram tão perfeitos, numa altura em que as editoras cuidavam dos livros, especialmente dos infantis, com as folhas cosidas, as capas duras, desenhos de fada e mensagens simples, mas eficazes. Era raro verem-se livros destes onde se andava à porrada, os personagens não faziam esgares maliciosos nem de maldade; eram um exemplo a copiar.
Apesar de não concordar com a criação de mundos de fada para as crianças, transmitindo-lhes a ideia que somos todos heróis de filmes e banda desenhada, mas revejo naqueles produtos uma qualidade que extravasava as páginas e as capas dos livros.
Seja como for nada me faz não amar aqueles amigos de infância que ainda hoje revejo, amigos que não traem, amigos verdadeiros, que nunca nos abandonam, que nos abrem horizontes, que nos transportam, nos fazem viajar, reviver bons momentos da infância e, acima de tudo, sonhar.

5 comentários:

  1. Tenho 47 anos e lembro-me de ver o livro "Um dia na praia" hà muitos anos.
    Gostei de ver algumas das imagens, mas gostaria imenso que publica-se mais imagens se possível pois não consigo encontrar o livro em lado nenhum.
    Bateu a nostalgia de reve-lo após tantos anos.
    Mil obrigados.

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  2. Olá, farei o que pede e se quiser posso emprestar o livro!
    Um abraço

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  3. Olá
    Para emprestar é complicado pois vivo no Algarve
    mas se puder publique mais imagens.
    Caso queira mesmo emprestar pagarei os portes de correio, claro.
    A morada é:
    João Guerreiro
    Messines de Cima Cx.14-S
    8375 S.B.MESSINES

    Um bem haja pra si
    João Guerreiro

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  4. João, esteja atento ao seu correio! Um abraço.

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  5. Olá
    Cá recebi hoje o livro e com isso também saber que ainda há pessoas espetaculares neste mundo.
    Vou fotócopia-lo e opurtanamente devôlve-lo.
    A minha mulher nem sabia que existia este livro.
    Pessoas como a Senhora, a vida encarrega de as compensar.
    Um bem haja
    João Guerreiro

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