A boca é um sitío sagrado e quando pedimos encarecidamente que lá metam afiados instrumentos metálicos e façam qualquer coisa, é porque o desespero é grande. Com os sentidos a fraquejar ouço o entendido dizer que preciso extrair os dentes. Primeiro penso ser um problema de audição e juro logo ali mentalmente não dar tantos mergulhos no próximo Verão. Depois percebo que ouvi perfeitamente. A coisa será feita por fases, um de cada vez, escusado será dizer que a brincadeira me vai custar uma fortuna, mas eu pago até duas fortunas para ficar sem dores e para curar esta doença pariodental ou algo que o valha, que me está a fazer abanar os dentes, como a uma criança, e que o dentista afirma, e se ele é o dentista, ele lá saberá, é melhor tirá-los antes que caiam, antes que eu fique com ar de avó. A fortuna será paga na semana que vem e uma vez que não sei como o farei, estou a pensar pagar em marfim, ou seja, deixando ficar os meus dentes para que façam o que entenderem com eles.
Mas como isto era uma brincadeirinha aos olhos do divino, a dor que trazia num ombro agudizou-se, saí do dentista e fui ao hospital onde a senhora doutora me informou que tinha uma tendinite, doença de gente maricas, achava eu até agora. Como é possível doer tanto? Custa-me fazer uma das coisas mais importantes da vida: escrever. Está tudo dito.
Mas como era pouco, comecei com umas dores de barriga esquisitas, das quais tinha lembrança mas não conseguia perceber de que gaveta das memórias. Quando ficaram bravas, lembrei-me: são dores menstruais.
Tive que me rir; há anos que as não tinha e resolveram visitar-me hoje, logo hoje.
Que raio de dia. A noite não foi melhor e o dia seguinte pareceu-me uma desinteressante repetição, com mais médicos, mais dores e alguns, poucos, telefonemas a perguntarem por mim.
Tudo me estafa por via das dores do ombro que me deixam quase sem respirar e se ontem eram muitas, hoje, mesmo com analgésicos parecem cataratas em dia de chuva intensa.
Vou tentar ficar quieta. Juro que farei todos os esforços. Mas sem me mexer, sem debitar assunto com uma boca dorida e ardente, enrolada num cobertor deitada sem força para ler SEQUER, vou adormecer. Pergunto: o que acordará? Eu não sou com certeza.
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