Hoje fui a um velório. O Sr. P. era um ou dois anos mais velho que eu mas o relacionamento era de senhor de mim para ele e acho que nunca lhe ouvi o meu nome. Os nosso filhos jogaram no mesmo clube e equipa durante alguns anos e encontrávamo-nos nos jogos e, ocasionalmente, nos treinos onde ele não faltava e eu ia de vez em quando.
Todos conhecíamos a relação do Sr. P. com o filho, de exigência na vida escolar, que era e é um caminho sem pedras para o jovem, daqueles caminhos que queremos e sonhamos para os nossos filhos.
Quando soubemos que ele estava doente, nem queríamos acreditar. Era uma pessoa cuidadosa com a alimentação, não fumava. Qualquer um de nós merecia mais do que o Sr. P. se isto fosse um concurso onde ganhasse o mais desleixado. Mas foi a ele que calhou a lotaria do inferno, a nós cabe-nos ficar a assistir, com um imenso nó na garganta.
Estive três minutos no velório. Encarei a cara exausta da mulher do Sr. P, com o sorriso de sempre, meigo, terno, acolhedor, mesmo quando se deu tudo e se está de mãos vazias depois dum processo como o de uma doença prolongada como a do marido. O filho sentado esperava. A minha vontade de chorar foi maior que tudo e apesar de ter ainda trocado meia dúzia de palavras com amigos e conhecidos lá presentes, agarrei na minha imensa fraqueza e fui embora no meio do raio e do relâmpago que me trouxera. Dez metros acima senti que tinha dificuldades em respirar e disse-o ao meu filho que me acompanhava. As injustiças tiram-nos o oxigénio. Entrei no carro a chorar como sempre fiz quando ia ao supermercado ao fim-de-semana e via a mulher do Sr. P. e lhe perguntava por ele. Com o mesmo sorriso franco e aberto ela falava da doença do marido e da sua exaustão. Mas tudo dito com um sorriso, enquanto trabalhava, sem parar de se mexer. Eu saía, entrava no carro e ligava a alguém, a minha mãe ou uma amiga, com quem partilhava lágrimas que sentia não serem minhas, mas dela e que apenas não as chorava porque a vida não lhe dava um minuto de descanso. Nunca convivi com eles mas a cada visão daquela mulher baixinha de onde emergia uma força insuspeita, para trabalhar, tratar do filho, do marido e sorrir a quase desconhecidos sempre me impressionou e me criou um enorme respeito por ela. Ela estava sempre a sorrir e suponho que agora terá tempo para o fazer e doutra maneira.
Há desejos que nascem no nosso peito e que ficam ali, mesmo que não falem, que não se manifestem. Um desses inquilinos meus era que a vida corresse bem à mulher do Sr. P., pela sua aura de pessoa calma, por tudo o que sabia que estava a passar e acima de tudo pela partilha daquele sorriso tão profundo com que brindava todos, eu incluída, sem que ela suspeitasse do agradecimento imenso que lhe fazia cá dentro. O sorriso é a alma daquela mulher, uma alma partilhada, serena e profundamente humana.
Quando a encontrava e ela me contava os progressos e regressos da doença do marido eu comentava com quem escolhia para desabafar que me punha a imaginar o interior dela, sem nunca conseguir chegar perto daquela força, tão grande que me fazia sentir minúscula. E assim remetia-me e remeto-me à minha insignificância perante pessoas a cujos calcanhares sinto que nunca chegarei. A minha solidariedade para com a mulher, e filho, do Sr. P. fica aqui expressa embora seja só uma pequena amostra daquela que verdadeiramente sinto.
Que tenha o descanso que merece.
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