Há objectos que falam connosco, que sorriem para nós, que pedem para ser acariciados com o olhar, que assumem ar de órfãos para que os levemos para casa. A mim acontece-me com brincos, malas, sapatos e óculos.
O primeiro presente que recebi daquele que viria ser meu marido, quando namorávamos, foi um par de brincos. Eram em latão e tinham uma fita minúscula a imitar pele de cobra; foram-me dados à porta do extinto centro comercial Terminal, na estação do Rossio e, enquanto eu abria o pequeno embrulho, o meu recente namorado disse-me o preço que pagou por eles! Surpreendida pela informação, hesitei um pouco sobre o que fazer a seguir, mas o vício falou mais alto e enfiei-os nas orelhas. Ainda existem.
Os óculos são um vício noutra dimensão, desde logo pelo preço. A jóia da coroa foi um par que comprei em Valladolid, em cuja armação existiam todas as cores que se possam imaginar e que provocavam olhares de admiração. Hoje tenho três pares que vou mudando dia a dia, para além de dois de sol e várias armações que aguardam melhores dias para serem graduadas.
De sapatos e malas abastecia-me em qualquer local, ultimamente dando preferência ao mercado do Algueirão, onde se compram pechinchas fabulosas, como as sandálias cor-de-laranja que comprei no fim do Verão por 3 euros!
Numa ocasião, há cerca de vinte anos, vi uma mala de viagem na Baixa de Lisboa, que era a minha cara, nas palavras da minha irmã que estava comigo. A mala não era propriamente barata, mas era um sonho. Afastámo-nos da loja e fomos embora, mas o amor à primeira vista imperou e no dia seguinte lá estava eu, decidida a não contar a ninguém quanto me ia custar aquela loucura. Levei com um balde, não de água fria, mas de gelo, porque já tinha sido vendida. Nunca a esqueci, é claro.
Agora nem ao mercado vou, mas ganhei três malas vintage, no passeio que dei no fim-de-semana. Eram da mãe da I., são pequeniníssimas, todas pretas, mas muito conversadoras! Vêm do século passado, quando as mulheres não tinham agendas, nem carteiras com dezenas de cartões de desconto, para tudo quanto é supermercado, bomba de gasolina e lojas das mais variadas, quando não se tinham telemóveis, nem pacotes de lenços, mas antes apenas um lenço, normalmente branco, quantas vezes em cambraia branca com bordados, que consubstanciavam belas prendas, para quem dava e para quem recebia.
As malas estranharam também a chave do carro e perguntaram-me o que era aquele cartão que ando sempre a meter e a tirar de lá de dentro. Esclareci que era o passe dos transportes públicos. Todas estranharam os cigarros e o isqueiro e queixaram-se dos lápis de bico afiado e das canetas.
São motivo de olhares no metro e no café e hoje, a que saiu à rua pendurada no meu braço, recebeu dois valentes elogios que me deixaram vaidosa.
Para além da beleza das malas, mais do que o peso, carrego o seu significado, imagino por onde terão andado, a que locais terão ido, onde se terão exibido, certa que, noutros tempos, eram uma entre muitas, todas parecidas. Hoje são únicas e estou profundamente agradecida por serem minhas. Provavelmente poderão ser compradas em lojas da especialidade, certamente serão novas e virgens, mas garantidamente não têm História como estas.
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