No fim-de-semana ainda fomos a Alfena, outra pequena aldeia.
O nosso destino é uma casa, uma certa casa, mas deparamos com uma ruína de levar às lágrimas. Sabemos que foi uma casa, mas dela pouco resta.
Entrar mostra-se uma tarefa perigosa: afastamos uma folha de contraplacado e entramos, à vez, através do que tinha sido o postigo da porta. A roupa prende-se nos pregos e ferros ferrugentos que nascem das entranhas das paredes. Dum molho de chaves conseguimos abrir duas portas, e encaramos directamente a desolação. Restos de vida espalhados por um chão molhado e metidos em gavetas que não querem abrir à primeira e só se deixam ver depois de muita insistência.
Revolvemos um armário segurando as lágrimas que se queriam misturar com a chuva que caia dentro da casa; apanhamos os papéis todos que encontramos, um conjunto de panelas, panelas a sério, à antiga e mais meia dúzia de objectos que enrolamos numa colcha.
Noutras divisões cheira-se o perigo de derrocada, o chão completamente molhado, as madeiras inchadas, a porta que dá para a rua principal tapada com um véu grosso esculpido por gerações de aranhas, em cuja fechadura nenhuma das chaves que temos consegue penetrar. De repente ela encontra uma caixa que nos parece um faqueiro. Afinal é uma máquina de costura, Singer, esguia e elegante, como os vestidos que um dia ali foram confeccionados. É lindíssima mas temos que escolher entre a máquina e as panelas, não conseguimos levar tudo. Acabamos por optar pelas panelas, pela facilidade de movimentação no meio daquele local fantasma, outrora cheio da vida de pais e cinco irmãos, agora cheio de vazio.
Quando saímos olhamo-nos e verificamos que podemos ser confundidas com mineiros tal o pó e os restos de teias de aranha que trouxemos para a luz do dia. É preciso gastar ali tempo e ver o que se pode aproveitar. É preciso deixar secar aquelas paredes um pouco mais para a sensação de entrar numa sepultura não ser tão viva. É preciso voltar.
Abandonamos o local com o coração nas mãos; mesmo eu, que nunca ali tinha estado sinto-me mal, triste e angustiada. A I. vai dando indicações, aqui era isto, ali era aquilo, mas sinto que fala não para me fazer uma visita guiada, mas para segurar a tristeza que lhe sobe pela garganta.
Avançamos para o Porto e paramos em frente à estação de Campanhã onde vamos apanhar o Duarte que vem do estágio em Anreade. O trajecto até Lisboa é sempre acompanhado de chuva, grossa, persistente, cansativa. Falamos o caminho inteiro, o Duarte encolhido e entalado entre sacos no banco de trás. Quando passamos a portagem final, a 30 ou 40 à hora, o carro derrapa e começa numa dança de círculos que nos atrofia o pensamento. Infelizmente já sabemos o que é fazer piões na estrada. Não sei bem como, consigo segurar o carro e levá-lo a bater nas protecções em ferro, mas com algum vagar, provocando uma pancada, só uma, seca e que não nos magoa.
Que final tão triste para um fim-de-semana cujo balanço era tão bom, que nos projectou para novos planos e novas visitas e novas estadias e novas viagens. Não quer dizer que se não façam, mas uma coisa assim deixa marcas.
Aqui fica um agradecimento aos desconhecidos que pararam a meu lado e nos ajudaram. O carro está na oficina, qual doente à espera de desenvencilhamentos orçamentais para poder ser operado. É a crise...
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