Este fim-de-semana acompanhei e assisti ao momento de regresso duma pessoa emigrada na cidade há 20 anos e que visitou, finalmente, o local onde nasceu e se reencontrou com uma grande amiga, que sempre lá permaneceu. O abraço deu-se à porta do café Santa Maria, na pequena localidade de Reguenga, perto de Santo Tirso, numa troca de calor guardado e preservado durante duas décadas e que me comoveu.
A amiga, Fátima, nunca abandonou a aldeia e há tempos, por interpostas pessoas, conseguiu o telefone da I. e as vozes reencontraram-se ao telefone com ânsia e desejos e promessas de visitas mútuas, rápidas e urgentes.
A Fátima orientou-nos ao telefone já à beira da aldeia, naquilo que pareciam cortinas de chuva que íamos afastando para nos aproximarmos da Reguenga. Disse-nos que esperássemos à porta do café e assim fizemos. Não sei se lá dentro alguém deu conta de dois carros ali parados, um encarnado e outro preto, do qual saltaram duas mulheres que se abraçaram com força, como se quisessem naquele abraço transmitir a saudade que tinham uma da outra, apagar vinte anos de distância, passar informação, perceber como se tinham alterado, mas constatar que ainda mantinham a amizade.
Tive que as interromper e lembrar-lhes que podiam falar o tempo que lhes apetecesse, mas dentro de portas, com um telhado por cima, talvez fosse melhor…
Deixámos o meu carro na garagem da Fátima e fomos jantar à Cozinha do Forno, ela a conduzir – graças a Deus! Ora o restaurante, que era já ali ao início da empreitada, revelou-se um segredo bem guardado. Às tantas aquilo parecia um remake do dia todo: para trás e para a frente, pergunta aqui e pergunta ali, inversão de marcha e agora experimentamos aquela rua e mais aquela estrada e ainda aquela vereda e de restaurante nada. A Fátima, que tirou o curso de sentido de orientação no mesmo sítio que eu, baralhava-se e já não se lembrava donde tínhamos vindo e ali andámos às voltas, com telefonemas pelo meio para pessoas que sabiam que sim, que era um bom restaurante, mas cuja ajuda para lá chegarmos era nula. Finalmente lá demos com aquilo. Comemos e senti-me na obrigação de pagar o jantar. Não aceitavam pagamento com multibanco mas disseram-me que havia uma caixa ali fora. Pedi explicações para lá chegar mas afinal tinha que ir de carro, a pé era coisa aí para meia hora, para cada lado! Lá tive que dividir o pagamento do jantar com a I.
Essa noite só não foi sagrada por causa da chuva que parecia deitar tudo abaixo. Já de madrugada as vacas da vacaria ao lado começaram uma cantoria que me acordou, mais uma vez, mas me deixou bem-disposta, a navegar no espírito do campo, para o qual contribuiu o pequeno-almoço de regueifa com manteiga e café de cafeteira!
A conversa continuou vinda da noite anterior com muitos nomes desconhecidos para mim mas que iluminavam o semblante das duas que recordavam dias há muito passados mas não esquecidos.
E a beltrana? E a sicrana? E beltranas e sicranas e gente de toda a qualidade e feitio ia entrando na conversa, sem dela nunca sair, como se fossem espectadoras silenciosas, um pouco como eu, daquele reencontrar que aguardara anos e agora se realizava.
Não havia dúvida, eu presenciava um momento de Natal e natais destes não se esquecem.
Nessa manhã passeámos na chuva de Santo Tirso e fomos almoçar a casa doutra amiga, Laurinda, cuja família nos recebeu como se fizéssemos parte dela. Quando andávamos nos dois carros, fazia questão que a I. fosse com a amiga que não via há séculos e adivinhava as conversas, cujo conteúdo confirmava percepcionando os olhares quando nos voltávamos a juntar: a I., exagerada como sempre, colocou-me nos píncaros aos ouvidos das amigas, que deviam esperar a qualquer momento que lhes dissesse os números do euromilhões, pois pessoa tão altamente recomendada e tão sabida saberá com certeza aquilo que a gente vulgar tenta adivinhar! A generosidade dos amigos dá-nos virtudes que não temos e a I. consegue superar tudo e todos.
Falou-lhes também da minha exigência com toda a gente, principalmente com ela própria, o que transpareceu nos olhares da Fátima e nos apertos que me dava no abraço, congratulando-se com a nossa presença ali – eu era uma espécie de veículo que permitia à I. ter ali chegado – mas em simultâneo era um pedido para ser leve nas exigências. Claro como água. Porém, eu só sou exigente com quem me preocupo, com quem acho que vale a pena, com quem merece, e a I. merece todo o meu empenho, que ela por vezes toma por obstinação, por teimosia. Quantas vezes vejo ‘coisas’ de bradar aos céus, mas não digo uma palavra pois, uma só, mesmo só uma, já era demais no meu orçamento palavrial, para pessoas nas quais nada frutifica.
Depois das despedidas, com promessas de reencontros muito brevemente, a I. diz-me que as amigas gostaram muito de mim e acrescenta que fica mais feliz por saber isso do que pela felicidade do reencontro dela própria com aquelas pessoas das quais tinha tantas saudades. Percebo-a perfeitamente e sei que diz o que sente. E é por eu sentir essa amizade tão acima de tudo que sou exigente com ela, que a obrigo a ver tudo de todos os pontos de vista possíveis e imaginários, que a levo por raciocínios nem sempre óbvios mas que ela própria acaba por iluminar pois, se ela não tivesse a força necessária para corresponder às exigências, não conseguisse subir os degraus que acha que eu lhe coloco à frente, também não acenderia as luzes que ela própria acende. Sozinha. E esse é um dos meus orgulhos no que a ela diz respeito.
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