Sexta-feira ao final do dia eu e a I. metemo-nos pela auto-estrada em direcção a Vila Nova de Gaia onde chegámos quase seis horas depois. O trânsito de véspera de fim-de-semana prolongado era aterrador com filas dignas de Pequim, chuva que não dava tréguas, os carros avariados na berma a sucederem-se. Finalmente lá chegámos a casa dos primos onde ficámos a conversar até depois das três da manhã e a ver fotografias de Timor por onde a prima tem andado em trabalho e que me deixam com uma inveja tão grande como o caminho daqui até Díli.
No sábado de manhã, com tempo melhorzinho, mas ainda muito cinzento e com chuva, fomos até São Lourenço de Sande, perto de Guimarães, onde almoçamos também em casa de primos mas, desta vez, dela e não meus. Comemos cedo pois a próxima paragem deste percurso turístico era Anreade, uma freguesia do concelho de Resende, distrito de Viseu, onde fui ver o meu filho num jogo de andebol, Portugal versus Espanha.
Convém esclarecer que com facilidade ganharia o primeiro prémio dum qualquer concurso de desorientação e uma menção honrosa, a mais honrosa, no concurso de incapacidade de memorização de indicações. Com estas virtudes é fácil perder-me, ou melhor, desviar-me da minha rota original, demorar o dobro do tempo e gastar o triplo do caminho para chegar ao destino. Mais uma vez e para não variar foi o que aconteceu, até que em Penafiel comprei um mapa e lá me orientei. Quer dizer, mais ou menos.
O jogo em Anreade começava às cinco da tarde e chegámos faltava um quarto de hora! Choveu pouco, felizmente, e ainda pudemos apreciar a beleza do caminho e quando digo beleza, não há mesmo outra palavra: a variedade dos castanhos da vinha, árvores de folhagem encarnada, paisagens de cortar a respiração com o Douro muito presente, o Tâmega, ribeiros dos quais perdi o nome mas guardo a lembrança na memória. A paisagem do Norte enternece-me sempre e há momentos em que penso que ‘aquilo’ foi ali plantado por alguém pois parece impossível que a natureza se tenha alinhado de forma tão espectacular para nos dar aquela visão.
Falei com quase toda a gente que encontrei! Não que quisesse meter conversa, apenas porque pedi ajuda para encontrar o caminho, sem exagero, aí 50 vezes. Muitas curvas, estradas apertadas, paisagens belíssimas e vire na próxima à esquerda e depois suba e corte à sua direita e faça a rotunda e passe a ponte e mais mil indicações depois, lá damos com o pavilhão de Anreade. A Espanha ganhou…
Quando terminou já era de noite e as duas horas que se seguiram consubstanciaram o maior momento de pânico dos meus 44 anos.
Noutra ocasião em Vila Nova de Cerveira, eu e o pai do Duarte, ainda ele não era nascido, apanhámos um nevoeiro tão denso que esticávamos o braço fora da janela e não víamos a mão! Parámos e esperámos que passasse.
Tivemos o bom senso de comer qualquer coisa em Resende e perguntei o caminho a um Bombeiro que me orientou na direcção pretendida. De Resende para Santa Marinha do Zêzere e Gestaçô, daqui para Carneiro, Bustelo, Gondar, mais não sei quantas localidade até que, finalmente, A4!
Porém, todo este percurso foi feito sem recurso à terceira mudança do carro, com uma chuva tão forte que se solidificava diante das luzes, criando uma parede de água como nunca tinha visto e que era desviada momentaneamente pelo vento, que levava a água em bloco, para imediatamente a seguir nova enchente tomar o lugar da anterior, limpa pára-brisas no máximo, os riscos da estrada, quando os havia, estavam mergulhados e invisíveis debaixo daquele mar que escorria por ribanceiras à direita, das quais me tentava afastar, de tal modo que conduzi sempre o mais encostada à esquerda possível, a não ser nos raros momentos em que me cruzei com outros carros. A dada altura pensei que se dentro de cinco minutos aquilo não amainasse, teria que parar. Se o fizesse iria pedir abrigo na primeira casa, pois a sensação que tinha era que o carro não se seguraria no mesmo sítio muito tempo. Árvores, árvores e mais árvores, curvas e contra-curvas, locais perigosos para parar, que me obrigavam a avançar mais e mais, dentro duma cegueira completa, com os braços doridos da força de segurar o volante, contrariando o vento e a chuva. Como não via nada, nada me confirmava se aquele era o caminho certo e essa dúvida colocava-me perante a possibilidade de ter que voltar atrás, como já fizera tanta vez ao longo do dia, mas desta feita, longe das gargalhadas e boa disposição que causava cada engano das horas anteriores.
De repente, uma placa milagrosa que anunciava a proximidade da A4! Estávamos bem. A entrada na auto-estrada deu-nos um novo ânimo mas devia ter sido filmada: as obras arrastavam-se criando só uma faixa balizada por pinos que mal se viam e que a separavam da faixa em sentido contrário, criando uma imagem dum qualquer terceiro mundo. Os carros, aqui em maior quantidade, avançavam lentamente naquele serpentear em direcção à auto-estrada em si, que nunca mais chegava. Sempre a chover, riscos de humidade no vidro que nenhum ar condicionado do mundo extinguia, mas que provocavam um ardor nos olhos que me obrigava a abri-los e fechá-los a cada dois décimos de segundo, aumentando o perigo da jornada. Continuava em segunda, só meti a terceira já na A4 que, finalmente, lá se deixou ver na sua plenitude. Ríamos um riso nervoso, consciente do que acabáramos de passar e eu já só pensava na cama que me acolheria, depois daquela volta de cerca de 300 quilómetros depois da qual quase não sentia os braços.
Mas agora novo desafio se perfilava diante de nós: encontrar a Reguenga! Escusado será dizer que a Reguenga não é metrópole para constar nas setas da estrada e não é preciso ter dons de adivinhação para saber o que ia acontecer…
Nestes casos, vou a conduzir e a sentir-me um pequeno seixo que rola na direcção da areia, mas constantemente atirado para os lados e para trás pelas ondas; vou-me chegando, chegando, chegando, mas nunca mais chego. Depois de muitas voltas – sem chuva! – e mais meia dúzia de perguntas a todos quantos encontrávamos, lá damos com uma placa a anunciar que faltavam dois quilómetros para o nosso destino. A dada altura achámos que ali os quilómetros não mediam o mesmo que em Lisboa pois, mesmo já de telefone em punho, em contacto com a amiga da I. que parecia um centro de operações e comunicações dos Bombeiros, nunca mais entrávamos na Reguenga. Muitas, muitas voltas depois, algumas rotundas no meio do nada, muito riso nervoso do cansaço, a amiga da I. diz-nos para pararmos em frente ao café Santa Maria que nos vai buscar. E assim fizemos pensando nós que o dia de enganos e volta atrás e vai à frente de carro com chuva, tinha terminado…
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