Hoje estou envenenada, da cabeça aos pés. O culpado é o V. que me visitou ontem, em carne e osso, ao contrário do que acontece ultimamente, em que os contactos são por telefone ou por escrito. Sinto-me acetinada e a flutuar, nuvem invisível que afasta o ar ao passar.
O V. tinha-se feito anunciar horas antes e chegou em cima dum compromisso já assumido e que não podia mesmo desmarcar. Que tristeza, queria ter estado com ele com vagar, ouvi-lo dissertar acerca do que lê, do que descobriu em novos velhos alfarrábios encontrados em alfarrabistas e sebos espalhados por esse mundo que é dele, por que o percorre com os pés e o apreende com os sentidos e o critica com o raciocínio e o aprecia com a alma que ele diz que não tem.
Ele senta-se diante de mim e eu sinto-me sentada à mesa do rei, ou como uma criança a quem é permitido assistir ao baile. E ele, moreno e sorridente, fala e muda de conversa mas não saindo nunca daquela linha de gente que sabemos, mas sabemos mesmo, que é superior, que sabe tudo, que numa palavra contém o mundo e no-lo transmite, de forma clara e esclarecida.
É como se o V. fosse feito de muita gente, que já morreu e muita outra por nascer, o que dá no presente um homem extraordinário, que deixa rasto e se projecta. Também tem defeitos, e ainda bem, pois assim sei que é humano.
O último defeito que lhe descobri foi ter-me envenenado, via senhor Christian Dior, com um frasco de Poison, que hoje usei abundantemente e me faz sentir uma pecadora.
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