Fez um ano este fim-de-semana que dei início a este espaço. Não o assinalei no dia exacto por ter que cumprir o ingrato dever de acompanhar o funeral do pai dum grande amigo, casado com uma grande amiga, de infância, de vida, de tudo.
O funeral foi em Vila Boim, perto de Elvas e levei os pais dela comigo, pessoas que conheço desde sempre, que sempre me acarinharam e algumas vezes me deitaram olhares de reprovação, como se deitam a quem se quer bem e não se quer ver ir por maus caminhos.
Parte da minha adolescência foi passada na casa deles onde eu adorava escrever à máquina, pondo folhas de papel químico atrás de folhas. A última vez que dormi naquela casa foi na véspera do casamento da minha amiga, onde partilhámos a cama, motivo de gozo e riso até hoje.
Ele é o mais novo de três irmãos, muito mais novo que os outros dois, tendo nascido por acidente como se dizia. Conheci os pais dele quando tinha uns quatro ou cinco anos e eles tinham uma mercearia por baixo da casa duns grandes amigos dos meus pais onde passávamos a vida. Ia à mercearia e, não me lembro se conscientemente ou não, passava à frente de toda a gente, ou seja, chegava e pedia o que queria sem olhar a quem estava. A D. Maria de Jesus, mãe daquele que seria o marido da minha grande amiga, ralhava-me e punha-me no meu lugar! O contacto com os irmãos mais velhos foi superficial e acontecia mais quando eles, já casados, davam festas lá em casa e nos encontrávamos todos, com a D. Maria de Jesus a repetir cenas minhas passadas na mercearia. O marido, António, era mais reservado mas era protagonista de filmes que nos faziam sempre rir, como quando tinha que passar na portagem da ponte 25 de Abril, Salazar, na altura e, não dominando a embraiagem do carro e temendo parar e não conseguir voltar a andar, levava as moedas na mão, ia desacelerando e à passagem da portagem e sem parar, atirava as moedas para dentro da casinha onde estava o portageiro!
Das muitas férias que passámos juntos, quer com os pais dele quer dela, lembro umas em particular em que os pais dele estavam algures também em férias e tinham combinado que o filho lhes ligaria todos os dias. Assim, todas as noites depois do jantar dirigíamo-nos à cabina telefónica da praça central de Albufeira e ele dava um dedo de conversa com a mãe. Uma noite, depois de termos estado na fila com estrangeiros das mais diversas origens e numa altura em que, claro, não havia telemóveis, lá chegou a nossa vez de telefonar; os pais dele não estavam, tinham saído não me lembro para onde e para evitar termos que estar na gigantesca fila outra vez, ele deixou mensagem, mensagem que ficou célebre e cujas iniciais ainda hoje constam gravadas no alumínio ao lado da campainha deles, FA:
- Então por favor diga-lhes que falaram os filhos do Algarve.
A partir daí e para sempre os Filhos do Algarve dão sessões de riso, de conversas à volta de memórias de Verões quentes, tranquilos, onde o meu ex-marido também estava presente.
Foi no meio destas recordações que, antes do funeral, quando fomos almoçar, a mãe dela nos contou que tinha recebido uma prenda de Natal que odiara! Todos os que a conhecem e com ela convivem com uma certa familiaridade sabem que tem pavor de dentaduras e qualquer outro parente de dentes postiços. Então, um familiar armado em engraçadinho ofereceu-lhe uma dentadura em chocolate! Branco, ainda por cima, para aumentar a sensação de realidade. A forma como ela contou a coisa, usando a típica linguagem da sua terra natal perto de Chaves, foi hilariante e inesquecível, de tal forma que os Filhos do Algarve, reduzidos ali a três, uma vez que o meu ex-marido não foi ao funeral, perceberam que a dentadura de chocolate passará a fazer parte das nossas vidas e principalmente, das nossas gargalhadas.
É engraçado como temos ligações fortes, de sangue, com pessoas sem qualquer ligação sanguínea. São ligações de vida, que nem a vida permite que se extingam.
O funeral foi em Vila Boim, perto de Elvas e levei os pais dela comigo, pessoas que conheço desde sempre, que sempre me acarinharam e algumas vezes me deitaram olhares de reprovação, como se deitam a quem se quer bem e não se quer ver ir por maus caminhos.
Parte da minha adolescência foi passada na casa deles onde eu adorava escrever à máquina, pondo folhas de papel químico atrás de folhas. A última vez que dormi naquela casa foi na véspera do casamento da minha amiga, onde partilhámos a cama, motivo de gozo e riso até hoje.
Ele é o mais novo de três irmãos, muito mais novo que os outros dois, tendo nascido por acidente como se dizia. Conheci os pais dele quando tinha uns quatro ou cinco anos e eles tinham uma mercearia por baixo da casa duns grandes amigos dos meus pais onde passávamos a vida. Ia à mercearia e, não me lembro se conscientemente ou não, passava à frente de toda a gente, ou seja, chegava e pedia o que queria sem olhar a quem estava. A D. Maria de Jesus, mãe daquele que seria o marido da minha grande amiga, ralhava-me e punha-me no meu lugar! O contacto com os irmãos mais velhos foi superficial e acontecia mais quando eles, já casados, davam festas lá em casa e nos encontrávamos todos, com a D. Maria de Jesus a repetir cenas minhas passadas na mercearia. O marido, António, era mais reservado mas era protagonista de filmes que nos faziam sempre rir, como quando tinha que passar na portagem da ponte 25 de Abril, Salazar, na altura e, não dominando a embraiagem do carro e temendo parar e não conseguir voltar a andar, levava as moedas na mão, ia desacelerando e à passagem da portagem e sem parar, atirava as moedas para dentro da casinha onde estava o portageiro!
Das muitas férias que passámos juntos, quer com os pais dele quer dela, lembro umas em particular em que os pais dele estavam algures também em férias e tinham combinado que o filho lhes ligaria todos os dias. Assim, todas as noites depois do jantar dirigíamo-nos à cabina telefónica da praça central de Albufeira e ele dava um dedo de conversa com a mãe. Uma noite, depois de termos estado na fila com estrangeiros das mais diversas origens e numa altura em que, claro, não havia telemóveis, lá chegou a nossa vez de telefonar; os pais dele não estavam, tinham saído não me lembro para onde e para evitar termos que estar na gigantesca fila outra vez, ele deixou mensagem, mensagem que ficou célebre e cujas iniciais ainda hoje constam gravadas no alumínio ao lado da campainha deles, FA:
- Então por favor diga-lhes que falaram os filhos do Algarve.
A partir daí e para sempre os Filhos do Algarve dão sessões de riso, de conversas à volta de memórias de Verões quentes, tranquilos, onde o meu ex-marido também estava presente.
Foi no meio destas recordações que, antes do funeral, quando fomos almoçar, a mãe dela nos contou que tinha recebido uma prenda de Natal que odiara! Todos os que a conhecem e com ela convivem com uma certa familiaridade sabem que tem pavor de dentaduras e qualquer outro parente de dentes postiços. Então, um familiar armado em engraçadinho ofereceu-lhe uma dentadura em chocolate! Branco, ainda por cima, para aumentar a sensação de realidade. A forma como ela contou a coisa, usando a típica linguagem da sua terra natal perto de Chaves, foi hilariante e inesquecível, de tal forma que os Filhos do Algarve, reduzidos ali a três, uma vez que o meu ex-marido não foi ao funeral, perceberam que a dentadura de chocolate passará a fazer parte das nossas vidas e principalmente, das nossas gargalhadas.
É engraçado como temos ligações fortes, de sangue, com pessoas sem qualquer ligação sanguínea. São ligações de vida, que nem a vida permite que se extingam.
Vi a correr da Pó dos Livros para ler esta delícia. E voltarei.
ResponderEliminarFique bem
Amizades assim são como o pão e vinho.
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