O bioquímico António Piedade lançou um desafio aos leitores sobre a divulgação da cultura científica pedindo para responderem a questões como “…qual a opinião do leitor sobre o estado da cultura científica em Portugal? O que acha da divulgação de ciência que por cá se faz? Quem é que faz divulgação de ciência em Portugal? Qual a sua utilidade, quem beneficia com ela? Qual a sua relação com a divulgação de ciência que se faz noutros países?”
Agradeço-lhe a amabilidade de ter publicado a minha opinião hoje no De Rerum Natura. Fica também aqui.
É-me difícil acreditar na existência de cultura científica no país que detém os recordes de maior número de telemóveis por habitante, com trocas sistemáticas perseguindo upgrades, sempre na senda da propriedade da última moda, e que apenas os usa para as mais básicas tarefas. O mesmo país tem défices de leitura acentuados e os licenciados sabem ler e escrever deficientemente e, mais ainda, uns não têm esta consciência e outros não querem saber.
A divulgação da cultura científica de forma sistemática e coerente é feita pontualmente por algumas instituições onde se incluem alguns museus e parentes, como o pavilhão do conhecimento, e universidades que proporcionam encontros abertos ao exterior; os Centros de Ciência Viva, quando abrem, são uma boa surpresa mas depois pecam por não introduzirem novidades, por não criarem uma rotina mecânica de novidade, de mudança e acabam por ser sempre iguais. Há programas televisivos como o Falar Global ou um que dava na rtp2 com o Vasco Trigo, cujo nome não me recordo que 'falam' para as 'pessoas comuns' com linguagem acessível e, de alguma maneira, procuram, ou mostram, uma transversalidade em conteúdos e em públicos alvo. E depois há a internet em geral para curiosos e certos blogues para interessados. Não há literatura de divulgação científica para o cidadão comum, até porque o cidadão comum está mais interessado na divulgação desportiva...
A Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica não vai ao encontro dos cidadãos: quem precisa dela, por vários motivos, procura-a, ou seja, não há um efectivo relacionamento biunívoco.
A utilidade da divulgação científica nem se discute, está relacionada com o grau de comprometimento dos cidadãos com a ciência e as suas aplicações cujo beneficiário é o próprio cidadão. Discute-se (ou seria melhor dizer, fala-se?) muito hoje sobre tecnologia porque esta domina as nossas vidas: os jovens pais colocam um aparelhómetro ao lado do seu filho recém-nascido para o poderem ouvir à distância. É o primeiro gadget do novo homem. A seguir, a rua, e as actividades dela característica, foi substituída por playstations e os pequenos MacGyver's estão em vias de extinção. Todos queremos usufruir das maravilhas da nova era e se decorarmos palavrões como nanotecnologia é porque temos uma doença qualquer e lemos algures - na revista Super Interessante, por exemplo! - que a medicina se socorrerá dela para nos pôr chips a fazer maratonas no sangue que nos vão curar. É o milagre da técnica e da tecnologia ao alcance de todos, e será melhor alcançado ainda se usarmos ecobolas!
No norte e no leste da Europa há uma maior aproximação da ciência aos cidadãos que começa na escola, com programas com um equilíbrio e um modus faciendi diferente do nosso: a matéria dada em português nos anos que antecedem a (suposta) entrada na universidade é de loucos e com probabilidades de utilização iguais ou inferiores a zero (!). Ora se a própria língua é tratada assim, de tal forma que leva os alunos, hoje jovens, amanhã cidadãos adultos, a odiar regras gramaticais e conjunções verbais, como hão-de ter o mínimo gosto por equações? Se a própria língua, aquela que usam para se exprimir no dia-a-dia lhes surge com tanta prega e tanto alinhavo, como se aproximarão duma química ou das abstracções da física? Isto para não falar da preguiça natural... mas não entrarei por aí e conto com o seu perdão para a forma simplista como coloquei as coisas.
Agradeço-lhe a amabilidade de ter publicado a minha opinião hoje no De Rerum Natura. Fica também aqui.
É-me difícil acreditar na existência de cultura científica no país que detém os recordes de maior número de telemóveis por habitante, com trocas sistemáticas perseguindo upgrades, sempre na senda da propriedade da última moda, e que apenas os usa para as mais básicas tarefas. O mesmo país tem défices de leitura acentuados e os licenciados sabem ler e escrever deficientemente e, mais ainda, uns não têm esta consciência e outros não querem saber.
A divulgação da cultura científica de forma sistemática e coerente é feita pontualmente por algumas instituições onde se incluem alguns museus e parentes, como o pavilhão do conhecimento, e universidades que proporcionam encontros abertos ao exterior; os Centros de Ciência Viva, quando abrem, são uma boa surpresa mas depois pecam por não introduzirem novidades, por não criarem uma rotina mecânica de novidade, de mudança e acabam por ser sempre iguais. Há programas televisivos como o Falar Global ou um que dava na rtp2 com o Vasco Trigo, cujo nome não me recordo que 'falam' para as 'pessoas comuns' com linguagem acessível e, de alguma maneira, procuram, ou mostram, uma transversalidade em conteúdos e em públicos alvo. E depois há a internet em geral para curiosos e certos blogues para interessados. Não há literatura de divulgação científica para o cidadão comum, até porque o cidadão comum está mais interessado na divulgação desportiva...
A Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica não vai ao encontro dos cidadãos: quem precisa dela, por vários motivos, procura-a, ou seja, não há um efectivo relacionamento biunívoco.
A utilidade da divulgação científica nem se discute, está relacionada com o grau de comprometimento dos cidadãos com a ciência e as suas aplicações cujo beneficiário é o próprio cidadão. Discute-se (ou seria melhor dizer, fala-se?) muito hoje sobre tecnologia porque esta domina as nossas vidas: os jovens pais colocam um aparelhómetro ao lado do seu filho recém-nascido para o poderem ouvir à distância. É o primeiro gadget do novo homem. A seguir, a rua, e as actividades dela característica, foi substituída por playstations e os pequenos MacGyver's estão em vias de extinção. Todos queremos usufruir das maravilhas da nova era e se decorarmos palavrões como nanotecnologia é porque temos uma doença qualquer e lemos algures - na revista Super Interessante, por exemplo! - que a medicina se socorrerá dela para nos pôr chips a fazer maratonas no sangue que nos vão curar. É o milagre da técnica e da tecnologia ao alcance de todos, e será melhor alcançado ainda se usarmos ecobolas!
No norte e no leste da Europa há uma maior aproximação da ciência aos cidadãos que começa na escola, com programas com um equilíbrio e um modus faciendi diferente do nosso: a matéria dada em português nos anos que antecedem a (suposta) entrada na universidade é de loucos e com probabilidades de utilização iguais ou inferiores a zero (!). Ora se a própria língua é tratada assim, de tal forma que leva os alunos, hoje jovens, amanhã cidadãos adultos, a odiar regras gramaticais e conjunções verbais, como hão-de ter o mínimo gosto por equações? Se a própria língua, aquela que usam para se exprimir no dia-a-dia lhes surge com tanta prega e tanto alinhavo, como se aproximarão duma química ou das abstracções da física? Isto para não falar da preguiça natural... mas não entrarei por aí e conto com o seu perdão para a forma simplista como coloquei as coisas.
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