quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Criança foge para a Lua

A propósito dum texto de hoje do De Rerum Natura, Uma aventura humana e na senda do meu texto de ontem sobre a primeira recordação que temos, lembrei-me do dia em que o homem foi à Lua (temos sempre esta conquista como se só tivesse sido feita uma vez, as seguintes já não tiveram o mesmo impacto e há muito boa gente que as desconhece).
Lá em casa não havia televisão mas os meus 3 anos sabiam que havia uma num café próximo onde o meu pai era cliente ocasional, de fim-de-semana.
Via a Lua com a frequência que ela se deixava ver e achava-a bela, belíssima. Ouvia dizer que o homem (qual homem? Seria um vizinho, um amigo ou colega do meu pai?) ia lá e que ia dar na televisão. Bom, então, o que havia de fazer sem ser pôr os pés ao caminho e ir sentar-me diante do aparelho do café? Até aí nada de especial, à excepção do pormenor: não avisei alguém, limitei-me a sair de casa.
Como garota sossegada que era a minha mãe não deu logo conta da minha ausência e quando se apercebeu que eu não estava correu a vizinhança de sobrolho carregado pronta para me descompor por ter ido brincar – talvez com o Tó Zé – sem lhe dizer nada. Mas as vizinhas e a sua filharada não sabiam de mim e não me tinham visto. Resultado, instalou-se a confusão em frente da Praceta da Palmeira! Chamaram-se homens, alguém telefonou, não sei de onde, para o meu pai que estava em Lisboa no trabalho, vieram os bombeiros, os vizinhos em total alvoroço em busca da menina, tão sossegadinha, que tinha desaparecido. Foram aos cafés mais próximos, à mercearia, à padaria e assim ia aumentando o rol dos que procuravam a menina.
Entretanto, puxemos a imagem para outro cenário, a menina estava sentada atenta a todos os pormenores duma imagem a preto e branco, tremida, com gente a falar e a dizer coisas que não percebia. Contam que o dono do café teria depois afirmado que me perguntara pelos meus pais e que eu respondera que já vinham, que me tinham dito que esperasse ali; era tramada, a miúda!
Com o perímetro de buscas a envolver Cacém e meio e a alargar-se, alguém lá chegou ao distinto estabelecimento onde eu estava a comer com os olhos o homem na Lua e deram a notícia do descobrimento, não da América, mas da Leninha.
Os meus pais choravam, abraçavam-me e diziam com ar furioso que estava proibida de voltar a fazer o mesmo. Parece que ainda argumentei em minha defesa que, afinal, tinha dito à minha mãe, vou ver o homem na Lua, mas ela deve ter achado que ia apenas mudar de posição pois, apesar de ser muito sossegada, nunca vivi efectivamente na Terra e uma parte de mim, ainda hoje, tem residência num qualquer satélite.
E é com base neste episódio que a minha família diz na brincadeira que eu fugi de casa aos 3 anos de idade. Não tenho dúvidas que foi por uma boa razão e, posso esquecer certos aniversários, mas lembro-me sempre de comemorar neste dia.

2 comentários:

  1. E vai daí, deste contigo a incitar mais fugitivos para a lua e a deixar isso como herança familiar. As vezes que me lembro do teu sobrinho a teimar com a educadora que sim, que tinha estado na lua, com a tia, só porque passaste o fim de semana anterior a explicar-lhe o objecto celeste num livro. Esse, que em Veneza estava na página tantos e tal, também promete.

    Como será um blog dele no futuro?

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  2. Que pergunta espantosa que nunca me tinha colocado! Quero acreditar em fantasmas para que possa ter esperança de ver o futuro longínquo.

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