terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A poesia da Poesia

Falo com frequência do facto de não dominar línguas, da pena que tenho de não conseguir ler nas línguas originais, no que se perde, no que perco, com a minha ignorância. Não tenho qualquer dúvida que a ignorância nos faz perder imensa coisa e vivo com essa certeza.
Falo com frequência das traduções, da sua qualidade, ou da falta dela, de como os tradutores são autores dum novo texto, de como têm responsabilidade, quantas vezes secundarizada, a começar por eles próprios que não têm brio no seu trabalho, em copiar transpondo.
Mas o que não falo com frequência é do facto da não gostar de ler poesia traduzida, embora o faça, por ignorância, como é óbvio. A poesia são emoções puras que algumas pessoas conseguem mostrar através de palavras, daquelas palavras a que todos temos acesso porque estão dentro dos dicionários, que são de venda livre e todos deviam ter vários em casa, mas conseguem alinhá-las de forma muito especial, diferente, porquê? Porque não são palavras, são emoções que para serem visualizadas e sentidas nos são mostradas sob a forma de palavras. Isto não se traduz.
Podemos traduzir um conceito ou a descrição duma equação, mas não a poesia. A diferença entre a matemática ou a música e a poesia é que esta tem as palavras como veículo e podemos usar diferentes veículos para a transportar. A matemática tem símbolos universais - ou quase - que fazem sentido na Terra e em Marte e a música, essa é igual em todo o lado, não tem língua, não tem cor, não tem religião, não tem sexo, não tem filiações de espécie alguma. Pode gostar-se ou não, amar-se, odiar-se, ou simplesmente optar-se não a ouvir. Ou não se poder, por se ser surdo, mas não tem intermediários, como a língua traduzida na Poesia.
Um romance ou um livro técnico passam-nos informação cujo conteúdo interiorizamos. Um poema é uma tatuagem emocional, um estado de espírito, um sopro, não uma aragem, nem uma corrente de ar, um exacto sopro, a que uma simples, pequena, quase inexistente mudança faz alterar a essência. Mas um poema pode ser uma tempestade, uma trovoada, uma descida dum rápido, uma subida duma montanha, uma descoberta científica, amor à primeira vista. E é isso mesmo, sem tirar nem por, e as tempestades tropicais não são iguais às do Árctico, as trovoadas com chuva são opostas às secas, uma montanha africana é diferente duma europeia ou americana, os rápidos podem ser maiores ou mais pequenos, mais ou menos perigosos, as descobertas científicas podem afectar a vida da humanidade ou apenas criar-nos expectativas e há quem nem sequer acredite no amor à primeira vista.
A poesia não pode ser traduzida, se não perde-se a musicalidade e a intensidade daquela língua em particular, seja sânscrito ou zeros e uns, perde-se a poesia do poema.
Porque raio não sei eu ler em todas as línguas?

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