No último mês e meio fiz peões na auto-estrada, assaltaram-me o carro partindo um vidro e roubando o rádio, tive uma tendinite que me impediu de trabalhar e fazer fosse o que fosse, descobri uma doença nos dentes que me vai obrigar a tirá-los e a substituí-los, avariou-se a televisão, as botas bateram a bota, o cabelo não cresce, mudou o meu director, magoei um pé, tive que pagar o seguro do carro, não consigo acabar o Olho de Hertzog, escrevo pouco ou nada, a humidade escorre pelos vidros, tão depressa faz um frio de rachar como transpiro que nem uma louca.
Mas não fumo!
Para ser mesmo honesta devo dizer que não fumo quase nada e o quase é um cigarro a seguir ao almoço. Tenho uma fome danada o dia inteiro e a senhora da farmácia diz-me que é um vício a substituir outro. Pois, acredito que sim, mas não tarda terão que mandar alargar o portão da entrada do meu local de trabalho para eu poder comparecer dentro de portas diariamente!
Mas sinto-me contente comigo própria por conseguir correr mais de três metros. De seguida!
Tento disciplinar-me e penso que possibilidades terei de ir para a Índia fazer meditação nas próximas semanas, de modo a conseguir ordenar esta bagunça de vida e, já agora, fazer dieta. Risco a Índia e tento pensar noutra possibilidade enquanto vou fazendo cruzes no papelito do euromilhões e repetindo o meu mantra, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões. Depois enumero as coisas que farei quando o ganhar e verifico, vez após vez, que aí pela vigésima pessoa a quem faria uma surpresa, ainda não me incluí a mim própria. Desisto da distribuição de boas acções e penso que da próxima que me ocorrer este pensamento me ponho adiante da malta toda. Mas vá lá saber-se porquê, quando volta a acontecer, volto a pensar nas mais variadas pessoas e lá estou eu algures mais para o fim da fila!
Depois penso que não me dava jeito ganhá-lo agora pela simples razão que não me posso ausentar! O meu filho precisa de mim e não o posso deixar por aí, e ir a correr mundo como os heróis das estórias que a minha avó contava e que eu venerava e queria copiar. Se calhar é por isso que ainda não me calhou… ou já terá calhado? Bem, já reduzi drasticamente o tabaco – uau! – o que consubstancia qualquer coisa que eu queria muito, muito, muito, já é alguma coisa!
Não serão estas coisas euromilhões aos quais não damos a importância que têm? Começo a pensar que sim. Sempre ouvi dizer que os pobres não têm vícios e lembro-me sempre dum bom amigo, o J. Soares, dizer que toda a gente tem direito a eles, mas neste momento da minha vida, não se trata de ter direito ou não, trata-se de não ter dinheiro e conseguir aliar um momento, ou melhor um longo conjunto de momentos, de desconforto financeiro com a necessária mudança a bem da saúde, e também da carteira, e também do ozono e também de mil outras coisas.
Faço um esforço descomunal para não desatar a berrar com toda a gente, para não desatinar com a vida, inspiro e expiro tentando afastar o pensamento para coisas boas e determinada em acreditar que o actual momento, ou melhor o longo conjunto de momentos, tem que ter um fim, tem que mudar, e mudar só pode ser para melhor.
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