segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Os primeiros encontros

Devia ser em plural este título? Se é primeiro, é primeiro, é único, é só. Mas não no caso. Dado que o meu divórcio ocorreu essencialmente por razões de princípio e não por total falta de amor, embora tivesse que a declarar para conseguir divorciar-me dos imbróglios familiares que sempre se arrastam nestas ocasiões com perguntas repetidas, mas tens a certeza?, e pressões e pedidos de reconciliação, uma vez que para as famílias para além de vergonhoso, o divórcio dos filhos é, acima de tudo, muito difícil, com novas repartições de calendários no que aos netos diz respeito e mudança de palavreado conceptual com as amizades, passando, no caso, o genro, a ser designado como pai do neto, ou, engolindo dificilmente como se lhe doesse a garganta, como ex-marido da minha filha, foi-me difícil retomar qualquer forma de contacto social que se assemelhasse a um encontro. Os que têm acontecido têm sido liminarmente colocados na prateleira. Comigo tudo se faz em função de livros ou dos seus arredores metafóricos ou reais e uma das razões porque os primeiros encontros continuam a existir é que não consigo encontrar quem saiba conversar comigo e canso-me facilmente, sendo o facilmente consubstanciado temporalmente em 10, 15 minutos. Ao longo dos anos têm sido poucos primeiros encontros e são cada vez mais espaçados pois apenas disponho de 24 horas por dia e não tenho muito tempo para desperdiçar com novos primeiros encontros. Tenho amigas que me falam duma coisa a que chamam a minha exigência, que me aconselham a diminuir os quesitos, o que permitiria alargar o alvo. Seria o meu ex-marido um intelectual? Não, nada disso; estaria eu já formatada a ele com os anos de convivência e aceitaria o convívio por cedência? Sim, também, mas ele interessava-se pelo mundo, não aceitava explicações básicas, não acreditava em tudo o que ouvia e eu aprecio essa crítica do que nos rodeia. Um bolso generoso ou uma aparência imaculada não substituem uma cabeça pensante e é isso que não está presente nos meus primeiros encontros que, assim, continuam a existir.
Para além disso, hoje em dia um primeiro encontro serve na maioria das vezes para ver se as pessoas se entendem sexualmente, o que não corresponde à minha tabela de eleição e, assim, não tenho qualquer problema em declarar no final do primeiro encontro que será o primeiro e último, pois do outro lado está alguém espantado por eu não ter feito menção nem de raspão a qualquer tipo de intimidade. Não quero dizer que sou contra outros comportamentos, acontece é que eu tenho os meus e não me apetece abdicar deles. Logo, quem se interesse nos primeiros minutos duma primeira conversa por roupa interior tem quase cem por cento de probabilidade de não conversar comigo sobre mais nada. É aqui que algumas vozes amigas mudam o azimute e deixam de me chamar exigente para me passar a chamar esquisita. Se calhar sou, mas como conheço pessoas que admiro e que consubstanciam aquilo que gostava de alcançar, penso que deve haver outras, não iguais, mas semelhantes e que um dia vou encontrar uma com a qual possa conversar até esgotar o assunto. Depois disso, logo se vê se se arranjam outras conversas onde caibam as rendas da roupa interior.
As vozes voltam a azucrinar-me, em pânico, vais ficar sozinha!, e sinto-lhes um lamento por mim que já deixei de tentar combater com explicações onde me esmifro a meter-lhes na cabeça que estar só não é assim tão mau. Pelo menos não tenho a obrigação de arrumar a casa de banho e posso ter toda uma gama de artigos higiénicos espalhados em cima da bancada sob o espelho onde me pinto de manhã. Na verdade, a cada primeiro encontro perscruto a capacidade de ler poesia como medicamento quando eu estiver doente e não a encontro.
Tudo isto serve para agradecer a uma querida amiga que, com a desculpa que um amigo precisava dos meus préstimos profissionais, e se eu podia atendê-lo e mais daqui e mais dali, proporcionou um encontro telefónico na expectativa que desse frutos fora das linhas RDIS, uma espécie de pré-encontro, que se resume numa breve conversa ao telefone com o candidato onde, para fazer conversa eu disse que alguém tinha sugerido o nome de José Saramago para o novo aeroporto de Lisboa e ter ouvido como resposta se eu me referia ao que tinha escrito o Memorial do Convento e, seguido duma pequena gargalhada:
- Não me diga que gosta dessa literatura para freiras…
Seguiu-se um silêncio do meu lado, que fiz acompanhar dum balbuciar onde inclui as palavras talvez outro dia, hoje e esta semana não posso, uma vez que ele tinha perguntado se não nos podíamos encontrar.
Devo perdoar estas questões? Mesmo que quisesse, não consigo. Senti que conversava com um livro com gralhas e toda a gente sabe como as abomino.
Estou condenada a ficar sozinha, se não fosse mãe, diria que ficava para tia – e que bem desempenharia o meu papel – mas esta condenação não é uma condenação às galeras, é uma forma de vida, triste, mas é uma forma de vida.

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