quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Quem te avisa...

O dia 1 de Setembro de 1991 foi um bom dia. Faz hoje 20 anos. Eu de branco, saia curta e coroa de flores na cabeça. Ele de fato cinzento-escuro, gravata de seda vermelha com pequenos floreados amarelos e verdes, camisa branca. As dores de cabeça que aquela gravata me deu…
Dei com os olhos nela numa montra na baixa. Arrastei as pressas e entrei com a intenção de a comprar, aquela coisa tão linda tinha que me acompanhar no dia do meu casamento. O preço fez-me recuar. Até a mim. Revirei os olhos a pensar que não podia mentir ao meu quase-quase-quase marido, pois se lhe começava a mentir antes do casamento, como havia de ser depois, e teria que lhe dizer o preço e se o dissesse era muito provável já nem haver casamento.
Da mesma forma que se dão nomes aos síndromas, de Estocolmo, de Nightingale, nomes às operações policiais, às missões do exército, eu comecei nesse dia uma longa série de Dilemas e este ficou conhecido como O dilema da gravata. Acabei por comprar outra que aos meus olhos parecia um cardo, seco, murcho, sem cor, mumificado, sem seda, quando muito de poliéster, toda ela uma nódoa, feia como a fealdade em forma de gravata. Os defeitos eram tantos que só havia uma coisa a fazer: ir comprar a outra e correr todos os riscos.
Quando voltei à loja, afogueada, como se fosse resgatar alguém da prisão, inocente ainda por cima, já tinham vendido a gravata! Barafustei, esperneei, chorei e prometeram arranjar-me outra igual, última do lote, esquecida num armazém sabe-se lá onde e eu ouvia o homem falar e as sensações misturavam-se, ora o alívio, ora o peso da culpa por gastar tanto dinheiro, pois, com certeza, vendo o meu pranto iam aproveitar-se e obrigar-me a pagar o aluguer do armazém onde estava a gravata durante os próximos anos. Seja! Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, dito que se aplica aqui e em qualquer outra ocasião pois é tão bonito que fica sempre bem.
Lá me depositaram a gravata nas mãos e já ouve mães menos emocionadas por segurarem pela primeira vez nos seus filhos, comparadas comigo, naquele momento. Rezei para que não me perguntassem o preço e se não me pedissem confissão, também não a faria de livre vontade. Acabei por dizê-lo, dias mais tarde. Não houve dramas nem ameaças de divórcio, mas o esbulhagar de olhos foi conclusivo: foi uma vez sem exemplo!
De manhã encontrámo-nos juntamente com os convidados à porta do Registo Civil de Sintra. Onze horas, eu pontual, ele atrasado. Como sempre. Talvez esta quebra de protocolo da noiva chegar primeiro tivesse ditado o fim do casamento e não tivéssemos esperado que a morte nos separasse.
A entrada para o Registo Civil faz-se através dumas escadas encimadas por um quiosque e ainda hoje se arrancam gargalhadas ao vermos as fotografias com as revistas pornográficas penduradas nos escaparates a servirem de cenário aos sorrisos da noiva e dos respectivos convidados que, para matarem tempo na espera pelo noivo, foram tirando fotografias, agora com uns primos, depois com amigos, mais com este menino, hoje um homem, ele próprio a fazer planos de casamento. Não te cases, rapaz, não te cases, quem te avisa, teu amigo é!

Sem comentários:

Enviar um comentário