quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Vinte escudos

A minha mãe conta que numa ocasião, a propósito duma deslocação à Feira de Moura, os meus avós levaram uma amiga dela, de quem não recordo o nome. Os pais ou familiares da garota deram-lhe a histórica quantia de vinte escudos que ela, ufana, guardava e mostrava e voltava a guardar para voltar a mostrar.
Chegados à Feira depois duma viagem de mais de vinte quilómetros em carro de burro a rapariga quis usufruir dos luxos inerentes à sua carteira. Pretensão legítima.
Porém, dos doces à roupa, passando por loiças de barro, brinquedos e malacuecos* quando era preciso pagar a moça virava-se para o meu avô e pedia-lhe que lhe adiantasse o dinheiro pois ela só tinha a nota de vinte escudos para a qual, com certeza, os feirantes não teriam troco.
Depois de mais um par de sapatos e uns metros de chita para uns vestidos e do consequente pedido de pagamento, o meu avô disse-lhe que lhe desse os vinte escudos a ele, que o dinheiro que ela já gastara a mais ele o pediria ao pai dela quando chegassem à aldeia.
Ontem fiquei a dever o pequeno-almoço, os cigarros, o almoço e compras de mercearia ao fim do dia. Tudo porque tinha uma nota de cem euros. Hoje fiz a mesma volta pagando dívidas, agradecendo, desculpando-me.
Não deixo de pensar na cara comum a todos os que me fiaram: de despreocupação. A manifestação dessa confiança deu-me uma alegria enorme, não porque pensasse que alguém me negasse qualquer coisa das que comprei, mas pela forma como o fizeram, tanto mais que a todos sem excepção eu já vira pedirem desculpa e negarem que clientes levassem o que pretendiam, com os olhos postos no chão. E afinal, nos dias que correm, não podemos levar a mal que nos digam Não. Eu digo, Obrigada.
*Malacueco é o nome dado no Alentejo a uma fartura redonda.

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