A cinquenta passos da minha casa há uma mercearia, fugaz pegada do comércio tradicional de bairro. Com uma frequência de, pelo menos, uma vez por semana, sou cliente. A dona sempre atarefada atrás ou à frente do pequeno balcão, a deitar olhares ao frigorífico, não vá algum cliente deixá-lo aberto.
Uma coisa que sempre me fez confusão foi ver o marido permanentemente inactivo, a olhar para ela, como se fosse um professor a avaliar o desempenho do aluno. Ora sentado numa caixa vazia, ora em pé, com um desplante enorme, enquanto a mulher se desunha para atender toda a gente, principalmente às sete da tarde, quando regressamos do trabalho e nos lembramos que não temos isto ou aquilo, diferentes os produtos pretendidos, igual a pressa que se nos impõe. Noutras ocasiões o homem estava sentado no carro, diante da mercearia, e ela carregava as caixas de hortaliças e fruta para dentro para fechar a loja. E ele sentado a olhá-la, polícia, ciumento, professor. Não sei. Trabalharia ele o dia todo e estava tão cansado que nem dava uma mãozinha à mulher? Não sei. Aquela postura deixava-me com um nó na garganta.
A meio do Verão, talvez em Julho, fui à mercearia e fui atendida por uma jovem. Pensei que o casal estava de férias e tivessem contratado a rapariga. Passaram as férias e esta semana voltei à mercearia, atrás de cujo balcão se mantinha a mesma jovem. Perguntei-lhe pela senhora e ela esclareceu-me que já lá não estava e lhe tinha vendido a mercearia a ela. Confessei o meu desconhecimento e a nova proprietária, ou porque lhe apetecia falar, ou apenas ser simpática com uma cliente que ela ainda não sabia ter alguma fidelidade, explicou-me que a antiga dona não podia continuar a trabalhar face ao problema do marido, uma doença complicada que obrigava a um acompanhamento cada vez maior, difícil de fazer presa ali na loja. Devo ter aberto os olhos de espanto à menção do espantalho que por ali se passeava sem fazer nada, e ela explicou que eles viviam ao fundo da rua, aquela ali, conhece?, e ele, mesmo doente, preparava o jantar e depois, fazendo um esforço incrível, vinha todos os dias buscar a mulher ao trabalho e iam juntos para casa. Nos últimos tempos já não conseguia andar, mas podia conduzir, por isso vinha de carro e esperava por ela ao volante, numa manifestação de amor e carinho.
Paguei em silêncio e sai da mercearia com uma certa danação com a minha pessoa, não evitando que duas lágrimas escorregassem cara abaixo, e a pedir interiormente desculpa.
Uma coisa que sempre me fez confusão foi ver o marido permanentemente inactivo, a olhar para ela, como se fosse um professor a avaliar o desempenho do aluno. Ora sentado numa caixa vazia, ora em pé, com um desplante enorme, enquanto a mulher se desunha para atender toda a gente, principalmente às sete da tarde, quando regressamos do trabalho e nos lembramos que não temos isto ou aquilo, diferentes os produtos pretendidos, igual a pressa que se nos impõe. Noutras ocasiões o homem estava sentado no carro, diante da mercearia, e ela carregava as caixas de hortaliças e fruta para dentro para fechar a loja. E ele sentado a olhá-la, polícia, ciumento, professor. Não sei. Trabalharia ele o dia todo e estava tão cansado que nem dava uma mãozinha à mulher? Não sei. Aquela postura deixava-me com um nó na garganta.
A meio do Verão, talvez em Julho, fui à mercearia e fui atendida por uma jovem. Pensei que o casal estava de férias e tivessem contratado a rapariga. Passaram as férias e esta semana voltei à mercearia, atrás de cujo balcão se mantinha a mesma jovem. Perguntei-lhe pela senhora e ela esclareceu-me que já lá não estava e lhe tinha vendido a mercearia a ela. Confessei o meu desconhecimento e a nova proprietária, ou porque lhe apetecia falar, ou apenas ser simpática com uma cliente que ela ainda não sabia ter alguma fidelidade, explicou-me que a antiga dona não podia continuar a trabalhar face ao problema do marido, uma doença complicada que obrigava a um acompanhamento cada vez maior, difícil de fazer presa ali na loja. Devo ter aberto os olhos de espanto à menção do espantalho que por ali se passeava sem fazer nada, e ela explicou que eles viviam ao fundo da rua, aquela ali, conhece?, e ele, mesmo doente, preparava o jantar e depois, fazendo um esforço incrível, vinha todos os dias buscar a mulher ao trabalho e iam juntos para casa. Nos últimos tempos já não conseguia andar, mas podia conduzir, por isso vinha de carro e esperava por ela ao volante, numa manifestação de amor e carinho.
Paguei em silêncio e sai da mercearia com uma certa danação com a minha pessoa, não evitando que duas lágrimas escorregassem cara abaixo, e a pedir interiormente desculpa.
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