terça-feira, 17 de setembro de 2013

Vida depois da morte

As minhas sessões de cinema estão confinadas ao ecrã de televisão lá da sala. Nem sinto bem ser cinema, falta-lhe o tamanho da imagem, a luz ou a falta dela na sala o que permite usufruir da luminosidade do filme, o tal escurinho do cinema, como diz a Rita Lee, até o sair da sala, de barriga cheia, a sonhar, ou mesmo cheia de desapontamento.
Se tivesse sido no cinema, ontem traria o desapontamento. Vi Os Irmãos Grimm com um Matt Damon que não reconheci e prefiro esquecer - parado, de braços levemente arqueados ao longo do corpo que parecia atarracado - e um Heath Ledger que lembrarei sempre, só por ser ele.
O mundo de fantasia que o nome dos irmãos transporta - e que tem alguma ironia se pensarmos no seu nome em inglês com menos um M - é mais do que livre para ser usado e explorado, cada estória uma nascente de imaginação, pontos de partida e chegada a misturarem-se, na ilusão tudo se permite, efeitos especiais e tecnologias a nadar como peixe na água, todo o esplendor do seu protagonismo aqui em relevo.
Porém, ocorreu-me também que são as tecnologias que fazem a magia de nos trazer, de manter, Heath Ledger ali, vivinho da silva.
Durante muito tempo confiou-se no traço do pintor ou no escopro do escultor para manterem vivos rostos de gente famosa, reis e imperadores, rainhas, protegidas e endinheirados; depois a fotografia trouxe a verdade, sem enganos, sem jeitinhos para embelezar, sem aumentar tamanhos ou diminuir gorduras, a que os pincéis sempre se entregavam. Ali estavam eles, parados, um instante irrepetível da eternidade na nossa mão. Depois pôs-se tudo a andar com os Lumière e o passado ganhou vida, repete-se, leva-nos, vem até nós, deixa-nos voltar atrás, espiolhar.
Heath Ledger é apenas um de muitos que já não se deixam filmar mas que continuam a estar presentes, a tecnologia a garantir a vida depois da morte, para nosso espanto e prazer. E vê-lo é sempre um espanto e um enorme prazer...

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