Há tiques e manias que chateiam até dizer chega, mas uns chateiam mais que outros.
Há quem fale batendo ao de leve com as costas da mão no interlocutor, num tique repetido para chamar a atenção, sem se aperceber que, se a conversa for longa, pode deixar o outro com nódoas negras; há quem sugue saliva enquanto fala, o que me provoca um vómito que tento conter e me faz perder na conversa; há quem tenha tiques gestuais, enrolando uma madeixa de cabelo num dedo, fazendo uns irritantes rolinhos com post-it's, juntando os lábios e deixando sair um prr para indicar que não sabem alguma coisa ou que se estão nas tintas para outra; há quem sacuda uma caspa invisível dos ombros num movimento que desloca o olhar ora para o ombro esquerdo, ora para o direito como se não estivessem a prestar atenção ao que se diz; há quem limpe os óculos de minuto a minuto, como se quisesse fugir a alguma coisa ou mudar de assunto; há quem mude de assunto a meio da conversa, e aqui não sei se é mania ou simples má educação; há quem roa as unhas enquanto ouve; há quem se penteie com os dedos desde que esteja acordado; há quem repita as frases, o que me põe louca; há quem repita determinada palavra. Exactamente.
Durante algum tempo eu tive um tique de linguagem e repetia a propósito de tudo e de nada a expressão 'senhores ouvintes', até que houve uma alma caridosa que me chamou à atenção e fui modelando esta coisa chata até diminuir drasticamente a minha plateia auditiva. Sei que ganhei esta mania por contágio com um amigo, com quem ainda hoje troco 'senhores ouvintes' por graça.
Porém, fazem falta pessoas que alertem as outras para tiques e manias difíceis de suportar. Nem sempre é fácil, mas as coisas fáceis não têm tanta emoção.
Exactamente é a palavra de ordem de uma professora que dá aulas na escola diante da minha casa e com quem me cruzo ocasionalmente no café de manhã.
Já a tinha visto, óculos descaídos no nariz, cara triste e timbre de voz simpático, já a tinha ouvido mas nunca a tinha escutado, eu ao balcão ao pé da porta a engolir um café, ela sentada lá ao fundo a conversar com outras pessoas.
Na semana passada, por mero acaso, o balcão estava cheio e fui andando até encontrar um espaço onde pudesse estender a mão para segurar a chávena e lá estava ela a conversar, sentada. Exactamente. Exactamente. Exactamente. Contei uma dúzia no tempo de engolir um café e, dizem as minhas amigas, eu tenho goela de pato, engulo tudo de uma assentada, esteja quente ou esteja frio. Fiquei impressionada.
Ontem, café quase vazio, coloquei-me o mais perto possível da mesa que ela ocupava com uma amiga. Foram vinte e um exactamentes durante o meu super sónico café. Achei que tinha que fazer alguma coisa.
Saí e fiquei à porta, numa espera que durou apenas dois minutos. Pedi desculpa pela intromissão e disse-lhe que gostava de lhe dar uma palavra. Sorrindo, anuiu, fez sinal à amiga para continuar e eu comecei, repetindo o pedido de desculpa e dizendo que esperava que ela não levasse a mal a observação que eu ia fazer. De sobrancelhas um pouco franzidas de surpresa, incentivou-me com diga, diga, diga se faz favor.
E eu disse. Disse que há coisas nas quais não reparamos pois não se vêm ao espelho e, neste caso, o espelho devem ser as pessoas que nos rodeiam, para nos avisarem, como quem mostra que existe alternativa. Eu não sei se a senhora já reparou, mas diz exactamente palavra sim, palavra não.
A resposta dela arrancou-me uma gargalhada - Digo exactamente o quê? - o que me dificultou o serviço.
Exactamente, diz exactamente exactamente, a explicação seguia por um caminho esquisito e de repente achei que a senhora pensava que eu era uma maluquinha que tinha tirado o dia para a azucrinar, mas não.
Lá me fiz entender e no decorrer da conversa ela própria ouviu-se e abriu os olhos de surpresa; mais uns minutos de conversa, mais uns exactamentes que lhe arrancaram risos e, muito importante, um agradecimento que senti ser verdadeiro.
Hoje de manhã puseram-me o café à frente e disseram-me que era oferecido, por aquela senhora ali.
O espanto inicial da oferta do café transformou-se de imediato em sorriso, tanto mais que ela levantou-se da mesa, aproximou-se do balcão e disse, a sublinhar a primeira palavra:
- Exactamente, sou eu que ofereço. Quero agradecer-lhe.
Fiquei um bocado à conversa e ouvi-a queixar-se de colegas, alunos e, principalmente, familiares, que nunca a tinham chamado a atenção. Contou-me que era professora nos cursos profissionais e que, depois de termos falado, chegada à primeira aula da manhã no dia anterior, perguntou aos alunos se alguém contava as vezes que ela dizia exactamente. Silêncio. Ela insistiu e um deles afirmou que ao princípio sim, mas agora já estavam habituados. Falou com os colegas que se dividiram em dois grupos: os que começaram por afirmar que nunca tinham dado conta e os honestos, que disseram que sim. Em poucos minutos todos concordaram que achavam que ela desconhecia a existência da palavra sim e dizia sempre, e de forma repetida à exaustão, exactamente. Porque nunca lhe tinham dito nada?, questionou-se, porque ela podia levar a mal, porque não fazia mal a alguém, porque... porque não tiveram coragem. E já agora, como te deste conta? quiseram saber alguns. E ela contou que fora uma desconhecida que a alertara para um tique que, não fazendo mal a alguém, mas era desconfortável para quem ouvia e motivo de gozo para muitos.
Afirmei-lhe o que sinto, que andamos por cá para ajudar quem se cruza connosco, conhecido ou desconhecido e que ficava contente por ter ajudado. Com uns exactamentes pelo meio, mas em muito menor quantidade, despedimo-nos com um franco aperto de mão.
Há quem fale batendo ao de leve com as costas da mão no interlocutor, num tique repetido para chamar a atenção, sem se aperceber que, se a conversa for longa, pode deixar o outro com nódoas negras; há quem sugue saliva enquanto fala, o que me provoca um vómito que tento conter e me faz perder na conversa; há quem tenha tiques gestuais, enrolando uma madeixa de cabelo num dedo, fazendo uns irritantes rolinhos com post-it's, juntando os lábios e deixando sair um prr para indicar que não sabem alguma coisa ou que se estão nas tintas para outra; há quem sacuda uma caspa invisível dos ombros num movimento que desloca o olhar ora para o ombro esquerdo, ora para o direito como se não estivessem a prestar atenção ao que se diz; há quem limpe os óculos de minuto a minuto, como se quisesse fugir a alguma coisa ou mudar de assunto; há quem mude de assunto a meio da conversa, e aqui não sei se é mania ou simples má educação; há quem roa as unhas enquanto ouve; há quem se penteie com os dedos desde que esteja acordado; há quem repita as frases, o que me põe louca; há quem repita determinada palavra. Exactamente.
Durante algum tempo eu tive um tique de linguagem e repetia a propósito de tudo e de nada a expressão 'senhores ouvintes', até que houve uma alma caridosa que me chamou à atenção e fui modelando esta coisa chata até diminuir drasticamente a minha plateia auditiva. Sei que ganhei esta mania por contágio com um amigo, com quem ainda hoje troco 'senhores ouvintes' por graça.
Porém, fazem falta pessoas que alertem as outras para tiques e manias difíceis de suportar. Nem sempre é fácil, mas as coisas fáceis não têm tanta emoção.
Exactamente é a palavra de ordem de uma professora que dá aulas na escola diante da minha casa e com quem me cruzo ocasionalmente no café de manhã.
Já a tinha visto, óculos descaídos no nariz, cara triste e timbre de voz simpático, já a tinha ouvido mas nunca a tinha escutado, eu ao balcão ao pé da porta a engolir um café, ela sentada lá ao fundo a conversar com outras pessoas.
Na semana passada, por mero acaso, o balcão estava cheio e fui andando até encontrar um espaço onde pudesse estender a mão para segurar a chávena e lá estava ela a conversar, sentada. Exactamente. Exactamente. Exactamente. Contei uma dúzia no tempo de engolir um café e, dizem as minhas amigas, eu tenho goela de pato, engulo tudo de uma assentada, esteja quente ou esteja frio. Fiquei impressionada.
Ontem, café quase vazio, coloquei-me o mais perto possível da mesa que ela ocupava com uma amiga. Foram vinte e um exactamentes durante o meu super sónico café. Achei que tinha que fazer alguma coisa.
Saí e fiquei à porta, numa espera que durou apenas dois minutos. Pedi desculpa pela intromissão e disse-lhe que gostava de lhe dar uma palavra. Sorrindo, anuiu, fez sinal à amiga para continuar e eu comecei, repetindo o pedido de desculpa e dizendo que esperava que ela não levasse a mal a observação que eu ia fazer. De sobrancelhas um pouco franzidas de surpresa, incentivou-me com diga, diga, diga se faz favor.
E eu disse. Disse que há coisas nas quais não reparamos pois não se vêm ao espelho e, neste caso, o espelho devem ser as pessoas que nos rodeiam, para nos avisarem, como quem mostra que existe alternativa. Eu não sei se a senhora já reparou, mas diz exactamente palavra sim, palavra não.
A resposta dela arrancou-me uma gargalhada - Digo exactamente o quê? - o que me dificultou o serviço.
Exactamente, diz exactamente exactamente, a explicação seguia por um caminho esquisito e de repente achei que a senhora pensava que eu era uma maluquinha que tinha tirado o dia para a azucrinar, mas não.
Lá me fiz entender e no decorrer da conversa ela própria ouviu-se e abriu os olhos de surpresa; mais uns minutos de conversa, mais uns exactamentes que lhe arrancaram risos e, muito importante, um agradecimento que senti ser verdadeiro.
Hoje de manhã puseram-me o café à frente e disseram-me que era oferecido, por aquela senhora ali.
O espanto inicial da oferta do café transformou-se de imediato em sorriso, tanto mais que ela levantou-se da mesa, aproximou-se do balcão e disse, a sublinhar a primeira palavra:
- Exactamente, sou eu que ofereço. Quero agradecer-lhe.
Fiquei um bocado à conversa e ouvi-a queixar-se de colegas, alunos e, principalmente, familiares, que nunca a tinham chamado a atenção. Contou-me que era professora nos cursos profissionais e que, depois de termos falado, chegada à primeira aula da manhã no dia anterior, perguntou aos alunos se alguém contava as vezes que ela dizia exactamente. Silêncio. Ela insistiu e um deles afirmou que ao princípio sim, mas agora já estavam habituados. Falou com os colegas que se dividiram em dois grupos: os que começaram por afirmar que nunca tinham dado conta e os honestos, que disseram que sim. Em poucos minutos todos concordaram que achavam que ela desconhecia a existência da palavra sim e dizia sempre, e de forma repetida à exaustão, exactamente. Porque nunca lhe tinham dito nada?, questionou-se, porque ela podia levar a mal, porque não fazia mal a alguém, porque... porque não tiveram coragem. E já agora, como te deste conta? quiseram saber alguns. E ela contou que fora uma desconhecida que a alertara para um tique que, não fazendo mal a alguém, mas era desconfortável para quem ouvia e motivo de gozo para muitos.
Afirmei-lhe o que sinto, que andamos por cá para ajudar quem se cruza connosco, conhecido ou desconhecido e que ficava contente por ter ajudado. Com uns exactamentes pelo meio, mas em muito menor quantidade, despedimo-nos com um franco aperto de mão.
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