segunda-feira, 5 de julho de 2010

Vidas.

Outra vez o metro. Sempre o metro. À minha frente vai sentada uma mulher poderosa, com ombros bem maiores do que o banco. É preta e tem braços fortes como os de uma lutadora. Realço a cor da sua pele para evidenciar as nódoas negras que tem nos braços. São impressionantes e, a bem da verdade, nunca tinha visto uma pele negra com nódoas negras. Veste uma camisola de alças branca o que lhe marca ainda mais a cor e deixa ainda mais à mostra as marcas nos braços. Pergunto-me como as terá feito, ela, que é forte e robusta. Não vejo alguém a bater-lhe pois uma palmada dela leva por diante um homem, sem dúvida alguma. Como as terá feito? Nunca lhe vi os olhos porque foi a dormir o caminho todo.
Questiono-me sobre as vidas que se tocam nos transportes. Tocam-se sem se intrometerem umas nas outras, mas tocam-se, criando um labirinto de círculos entre os que se sentam lado a lado sem nunca se terem visto, os que se aninham no meio da multidão com mais intimidade do que, quantas vezes, se tem com maridos e mulheres.
Olhamo-nos mutuamente fingindo que não nos olhamos: uma mulher bonita, um vestido curto e uns joelhos à mostra, um homem sensual, uma mulher mal vestida, outra carregada de pulseiras e fios e anéis como uma árvore de Natal, outro alguém que fala ao telefone aos gritos, um jovem que ouve música como se a aparelhagem estivesse ligada para toda a carruagem dançar, uma criança a fazer birra, um pedinte cego, outro pedinte coxo, outro pedinte e outro e outro, um casal de estrangeiros que, de mapa na mão, olham as estações e comentam sobre quem vai à sua volta pensando não estar a ser compreendidos, um indiano com o seu magnífico turbante que consegue criar um espaço à sua volta pois todos se afastam dele, dois homens com ar profundamente cansado que falam em russo entre si, rindo e mostrando os dentes de ouro, duas adolescentes com os pelos púbicos à mostra, mulheres e homens sem características que os dissemelhem dos demais, metidos consigo, a pensar sabe-se lá em quê, provavelmente todos na mesma coisa.
Mas porque teria a mulher as nódoas negras, tão negras, nos braços? Apeteceu-me bater em alguém. Mas saí e deixei-a a dormir. Mas ela veio no meu pensamento. Comigo.

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