segunda-feira, 19 de julho de 2010

Praia do Tamariz: de fugir!

Praia do Tamariz, sábado, depois do almoço.
Estou sentada na areia a olhar o mar. Passa um casal de adolescentes, ele branco ela preta. Passeiam de mãos dadas, pés dentro de água, partilham segredos que os fazem sorrir.
Passado um bocado vejo-os caminhar com a mesma cumplicidade, na direcção oposta.
Um grupo de cerca de 15 a 20 jovens, brancos e pretos, provoca o rapaz:
- A preta é boa, é?
A resposta veio com intenção de pôr um fim à conversa:
- Mete-te na tua vida!
Uns segundos depois o rapaz estava tapado por vários membros do grupo que se tinham levantado como molas e o obrigavam a dobrar enquanto lhe torciam os braços e o pescoço.
A rapariga chorava e gritava:
- Não, não, deixem-no!
Tentava meter os braços no meio daquela pequena multidão a puxar o namorado, sem sucesso, restando-lhe chorar e implorar que o largassem.
Uma mulher sentada a meu lado e igualmente a ver a cena alertou a polícia que estava em cima do paredão. Os agentes começaram a andar lentamente e um dos do grupo, que sempre se mantivera à parte da algazarra, aproximou-se dos amigos e disse com voz firme:
- Deixem-no! Isto está a ficar cheio de fruta e não quero sarilhos. Nós depois apanhamo-lo...
Foi uma ordem. E ordens são para cumprir. O mais impressionante de tudo é que a ordem foi dada por aquele que parecia ser o líder do grupo, sendo que era um gaiato que não tinha mais que 13 ou 14 anos.
Libertaram o rapaz que se agarrou ao pescoço magoado e continuou a andar com a rapariga que não sustinha as lágrimas.
Desapareceram do meu campo de visão em minutos.
A turba manteve-se.

Praia do Tamariz, sábado seguinte, depois de almoço.
Um grupo de adolescentes brancos e pretos gritam, dizem impropérios às toneladas uns aos outros, atiram areia a todos quantos ali estão, correm sem se preocuparem seja com quem for.
Estou deitada de barriga para baixo a ler e de repente ouço:
- Algema já esse!
Levanto os olhos e diante de mim estão seis agentes, dois deles com cães, e quatro adolescentes algemados, deitados no chão a lamber areia.
A aproximação foi tão rápida e subtil que ninguém deu conta de chegarem.
Um dos agentes questiona outro se esta a ver ‘o que falta’; o outro responde que sim, que está dentro de água mas que o está a ver.
Aproximam-se várias raparigas que vêm da água e perguntam aquilo que todos os que estão a assistir querem saber também:
- O que aconteceu?
- Estes indivíduos foram identificados por três rapazes que assaltaram no comboio hoje de manhã. Afastem-se, não mexam em nada porque temos que encontrar a arma branca que usaram para ameaçar durante o assalto.
As raparigas ainda tentaram aproximar-se do monte de toalhas, mochilas e roupa mas os agentes foram firmes e não permitiram.
Enquanto isso, o jovem branco que estava igualmente algemado foi tomado por um ataque inusitado de vontade de rir e, fazendo força com o pescoço para não ter a cara na areia, ria-se como se estivesse a ver um filme cómico. O gozo foi travado por um dos agentes que lhe perguntou com voz de trovão o que lhe dava vontade de rir, não obtendo resposta, mas fazendo com que a atitude provocatória terminasse.
Os agentes remexeram nas mochilas dos algemados e passados minutos levantaram-nos do chão e levaram-nos até a uma carrinha da polícia estacionada no paredão ao lado da areia, juntamente com os seus pertences.
Assim que viraram costas, uma das raparigas tornou-se um vulcão de impropérios, acusando-os de racismo e berrando literalmente os maiores disparates possíveis. Os pedidos das outras para que se calasse não obtiveram qualquer eco.
A praia estava sentada ou de pé, aguardando o desfecho e rezando em uníssono que alguém tivesse coragem de dar um sopapo na rapariga de forma a calá-la.
Só se silenciou quando dois dos agentes voltaram à areia para prender o elemento que tinha estado dentro de água e, aparentemente, não tinha dado conta do que se estava a passar. Aproximaram-se novamente do grupo e pediram repetidamente que lhes dissessem onde estava a arma branca e o telemóvel do suspeito. Ninguém sabia. os agentes perguntaram onde os tinham enterrado e o grupo, quase só raparigas, respondeu que não sabiam de nada. os agentes voltaram ao paredão e regressaram à areia com um dos rapazes algemados, que pediu ao grupo, em voz baixa, que dessem as suas coisas à polícia, numa atitude que foi interpretada pela assistência como de confissão. O grupo não se mexeu.
Levaram o rapaz novamente o que provocou nova ira do vulcão que despejou lava ardente pela praia inteira, num festival que devia estar a ser ouvido nas praias das imediações.
A maioria das pessoas começou a fechar os chapéus de sol, a sacudir a areia e a vestir-se. Eu fiz o mesmo.
Ontem, Domingo, fui para a praia de S. Pedro.

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