sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Capuletos e Montecchios

As férias passadas na aldeia deixam memórias impossíveis de apagar: os dias longos e abrasados do Alentejo profundo, o poço no quintal, as lavagens no tanque com a minha avó a zangar-se comigo por estar debaixo daquela calorina, a sombra que as videiras davam, o assobio levezinho do meu avô, o caramonho da minha avó, o café feito ao lume que escorria pela cafeteira, o cheiro a melão pela casa toda, a moeda que o meu avô sempre tinha para um gelado, os passeios e os mergulhos na ribeira de S. Pedro, as festas em honra de Nossa Senhora do Ó, as amigas, os segredos.
Inesquecível também era a aparição de uma pessoa de família, muito chegada por sangue mas de outro planeta por amizade.
A sua chegada era adorada pela criançada e era um martírio para mim, que ficava sempre de fora quando ele perguntava retoricamente quem queria ir à piscina de Moura. Eu bem esticava o braço mas a resposta invariavelmente era a mesma: o teu pai que te leve. E o meu pai levava, levava tão depressa que eu chegava lá primeiro que todos os outros, mas em último, porque o carro engraçado era o outro, onde iam todos, a rir, a brincar. Juntos.
Se era para ir a qualquer lado, o meu pai que me levasse, se era um doce, o meu pai que mo comprasse, fosse o que fosse, o meu pai que me fizesse ou me acontecesse. E o meu pai fazia e acontecia.
Não deixei de me lembrar destes episódios quando ontem proibiram uma garota de brincar com os meus sobrinhos, de visita os três ao trabalho dos grandes.
As acções ficam com quem as pratica mas quem não se sente não é filho de boa gente e eu senti, senti mágoa pela proibição de deixar uma criança brincar, conviver, rir em conjunto. Um adulto que age assim está a passar um cheque em branco para o seu próprio futuro, tal como as pessoas que me atormentaram em pequena têm hoje em comum com filhos e netos a distância, imposta por estes últimos.
Que mundo melhor é que apregoamos que queremos quando temos atitudes assim? 

2 comentários:

  1. Feliz Ano Novo para si, AO! Costumo lê-la, sempre com prazer. Agradam-me os seus temas, a forma despojada e elegante, e também corajosa, como partilha preocupações, saudades, alegrias. Cumplicidades alentejanas ..??? Pode ser ...Que tudo lhe corra muito bem em 2014, aproveite a onda da virada e seja feliz!!!

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  2. Mas que mensagem tão boa de ler!
    Obrigada. Excelente Ano Novo!
    Abraço :)

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