terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Cirque du Soleil

Ofereceram-me bilhetes para o Cirque du Soleil. A minha curiosidade era mais que muita, anos a ouvir falar, a ver imagens na televisão, vídeos no youtube. A prenda, ainda por cima de uma pessoa tão querida, veio mesmo a calhar.
Como boa família de ciganos organizámo-nos e fomos em romaria: os meus pais, os meus três sobrinhos e eu, sábado à noite, mau tempo já passado - os miúdos e eu ainda com a lembrança da chuvada da noite de ano novo, Avenida da Liberdade acima a pé, em direcção ao carro, parecíamos pintos, eu, que eles são mesmo de apelido do paizinho, mas sempre a rir e bem dispostos.
Levar o meu pai a qualquer sítio é um sarilho, mas impunha-se: completou 71 anos no dia seguinte - passado no hospital... - e o espectáculo era também prenda de anos.
Uns meros cinquenta metros que nem nos lembramos de percorrer, para ele equivalem a uma maratona. Deixei-os o mais próximo possível do MEO Arena, mas foi preciso fazer o corredor do Vasco da Gama, passar a rua e subir os degraus do ex-pavilhão Atlântico, uma tortura que aguenta com o auxílio da bengala e com a cara amarfanhada de dores contidas.
Durante o espectáculo até ele se esqueceu das dores, palmas e mais palmas, o Xavier, com apenas dois anos, de olhos esbugalhados, sentado nos meus joelhos, tão quieto que parecia uma estátua.
O gaiato já provou ser diferente: duas visitas a dentistas levantaram coros de espanto e admiração quando se senta, abre a boca e não mexe não respira, como nas radiografias. Apesar da sesta, assim que terminou, ele adormeceu encostado ao meu ombro fazendo-me reviver aquela sensação de posse, tão doce, quando eles são pequenos e pertencem-nos, quando se entregam com confiança.
Os outros dois saltitavam satisfeitos, pagaram o parque, faladores, o que é que gostaste mais?, eu foi dos que saltavam e pareciam andar nas paredes, e tu avó, e tu avô, e tu Quica?
Foi a última noite de uns dias juntos, sem grande coisa para fazer, como nesse sábado quando a chuva era tanta que só nos levou ao supermercado, viagem nunca adiada, mas que não impediu que ela e eu fizéssemos comer e doces, que ele me ajudasse com a roupa, sempre disponíveis, sempre donos de mim.
Durante o percurso para as compras comentei com eles que, há uns dias, passando por ali, exactamente aqui, neste sítio, vinha um carro em sentido contrário. Ele, o mais velho, sem perder uma oportunidade de exercitar o seu inglês, perguntou-me se eu tinha ligado para o nine, one, one a avisar do perigo. Ri-me e disse que sim, usando um sotaque nortenho, à Shrek como eles lhe chamam, e inglesando algumas palavras reproduzi a suposta conversa com os bombeiros de Nova-Iorque, e chegámos à conclusão que desde esse dia não se viam americanos na zona da Amadora ou Alfragide porque eles tinham emitido um alerta avisando os cidadãos americanos que andava um veículo em sentido contrário ao pé do Alegro.
Rimos todos e no ar sentia-se a essência do Natal, é Natal, é sempre Natal quando eles estão comigo e quando repetimos cúmplices, I do, I do, I do believe in fairies, há música no ar, balões coloridos sobem e misturam-se com as nuvens, chovem papelinhos com formas engraçadas e oferecemos as nossas gargalhadas uns aos outros, com um laço de seda.
Agora, só no Carnaval...

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