As duas amigas sabiam que naquela noite a mãe de uma delas receberia visitas. Não era isso que as impedia de brincar, não obstante a anfitriã ter saído e deixado as duas a tomar conta do caldo de bacalhau com queijo fresco. Só tinham que esperar que levantasse fervura e, espetando uma batata e vendo que estava cozida, apagar o fogão ou deitar mais água se fosse caso disso. A mãe bem abriu os olhos e elevou a voz relembrando a missão, mas não foi por isso que qualquer delas memorizou melhor.
A visita era especial. Uma emigrante da aldeia tinha vindo de passeio com uma gravidez bem evidente; ao ouvir a vizinha dizer o que era o jantar, assomaram-se-lhe os desejos e logo ali se combinou tudo, nem havia dúvidas, não se falava mais do assunto.
Os doze ou treze anos das duas miúdas se, por um lado, eram idade mais que suficiente para tomar conta de uma casa naqueles anos cinquenta do século passado, por outro, eram algo preocupantes, principalmente se estivessem juntas.
Na bacia de metal com uma gota de água, colocada providencialmente à entrada das traseiras da casa para que se lavassem as mãos antes de entrar, como era hábito na aldeia, banhava uma falha de sabão, que era quanto bastava também para as ajudar a fazer balões e esquecer qualquer compromisso.
O brilho e a leveza das bolas de sabão não deixaram espaço para mais nada e só se voltaram a lembrar da panela quando ouviram a voz da dona da casa, que regressava. Correram ao fogão onde os espinafres e o bacalhau já se agarravam ao fundo.
Depressa, depressa, antes que ela chegue, água, é preciso água, água, água... e os olhos de ambas pousaram em simultâneo na bacia. Nem foi preciso dizer nada, uma afastou a cortina de tiras que impedia as moscas de entrar e a outra agarrou a bacia e atirou a água para dentro da panela, dando-lhe uma mexidela de meio segundo, tampa em cima, a tempo de porem uma cara tranquila e cumprimentarem a dona da casa que entrava com um bolo que encomendara na loja do senhor Chico.
Que sim, que estava tudo bem, então que fossem pôr a mesa e depressa, eles deviam estar a chegar.
A senhora ainda achou que os ovos e o queijo fresco provocavam uma espuma maior que o costume, mas não reagiu até que, servindo o tão ansiado caldo de bacalhau, a convidada cospe enojada a falha de sabão.
A cozinheira levantou-se estupefacta mas em três segundos percebeu tudo o que lhe era dito pelos olhos baixos da filha e a da amiga, caladas ambas como se estivessem na missa e a tentarem ser invisíveis.
A grávida, de boca lavada, evitou que a sessão de gritos fosse maior mas não conseguiu aparar o par de estaladas em cada uma, que na altura não se chamavam pais nem mães para se pregar uns açoites em garotos que comprovadamente tivessem feitos disparates.
A filha foi mandada para o quarto de castigo e a amiga foi levada a casa por uma orelha, onde o pai e a mãe estavam sempre à espera de qualquer coisa do género, conhecendo-lhe a energia e sabendo que era inventiva mas desastrada, bonita mas com muito excesso de peso, namoradeira mas fiel, já altura, ao filho do cabo da guarda.
Era assim a senhora minha mãe.
A visita era especial. Uma emigrante da aldeia tinha vindo de passeio com uma gravidez bem evidente; ao ouvir a vizinha dizer o que era o jantar, assomaram-se-lhe os desejos e logo ali se combinou tudo, nem havia dúvidas, não se falava mais do assunto.
Os doze ou treze anos das duas miúdas se, por um lado, eram idade mais que suficiente para tomar conta de uma casa naqueles anos cinquenta do século passado, por outro, eram algo preocupantes, principalmente se estivessem juntas.
Na bacia de metal com uma gota de água, colocada providencialmente à entrada das traseiras da casa para que se lavassem as mãos antes de entrar, como era hábito na aldeia, banhava uma falha de sabão, que era quanto bastava também para as ajudar a fazer balões e esquecer qualquer compromisso.
O brilho e a leveza das bolas de sabão não deixaram espaço para mais nada e só se voltaram a lembrar da panela quando ouviram a voz da dona da casa, que regressava. Correram ao fogão onde os espinafres e o bacalhau já se agarravam ao fundo.
Depressa, depressa, antes que ela chegue, água, é preciso água, água, água... e os olhos de ambas pousaram em simultâneo na bacia. Nem foi preciso dizer nada, uma afastou a cortina de tiras que impedia as moscas de entrar e a outra agarrou a bacia e atirou a água para dentro da panela, dando-lhe uma mexidela de meio segundo, tampa em cima, a tempo de porem uma cara tranquila e cumprimentarem a dona da casa que entrava com um bolo que encomendara na loja do senhor Chico.
Que sim, que estava tudo bem, então que fossem pôr a mesa e depressa, eles deviam estar a chegar.
A senhora ainda achou que os ovos e o queijo fresco provocavam uma espuma maior que o costume, mas não reagiu até que, servindo o tão ansiado caldo de bacalhau, a convidada cospe enojada a falha de sabão.
A cozinheira levantou-se estupefacta mas em três segundos percebeu tudo o que lhe era dito pelos olhos baixos da filha e a da amiga, caladas ambas como se estivessem na missa e a tentarem ser invisíveis.
A grávida, de boca lavada, evitou que a sessão de gritos fosse maior mas não conseguiu aparar o par de estaladas em cada uma, que na altura não se chamavam pais nem mães para se pregar uns açoites em garotos que comprovadamente tivessem feitos disparates.
A filha foi mandada para o quarto de castigo e a amiga foi levada a casa por uma orelha, onde o pai e a mãe estavam sempre à espera de qualquer coisa do género, conhecendo-lhe a energia e sabendo que era inventiva mas desastrada, bonita mas com muito excesso de peso, namoradeira mas fiel, já altura, ao filho do cabo da guarda.
Era assim a senhora minha mãe.
Sem comentários:
Enviar um comentário