Um livro que vem de dentro. É assim Nenhum Olhar de José Luís Peixoto e a única pena que tenho é não o ter lido antes. É belíssimo e interior. Ao contrário daquilo que normalmente acontece, quando os livros entram em nós, este já vive nas pessoas, vem de dentro, dum dentro fundo e escondido. Um dentro vivido e ouvido e contado e recontado. Talvez isto aconteça comigo porque desde há muitos anos vivo o sol alentejano e reconheço as gretas da terra seca sempre ansiosa e nunca satisfeita. É terra insatisfeita, aquela, mas é terra de gente conformada, que aceita e se submete a si própria.
Em certas passagens Nenhum Olhar é uma canção, a letra duma canção triste e lendo, sinto a falta das notas de música ao lado, ou em cima, das palavras, que deviam talvez ser mais espaçadas para permitirem encaixar claves de sol, breves e semibreves, colcheias e semi colcheias, mínimas e semimínimas, fusas e semifusas e outras cujos nomes desconheço, mas que as deve haver, isso deve. Leio e ouço um roçagar musical pois é música aquilo que a natureza nos dá, embora nem sempre em sinfonia melódica ou harmónica, mas é música. Leio e sinto-me embalar por uma vida que foi e já não é, mas continua a ser, ou não fosse a eternidade eterna. Leio e conheço e reconheço os pensamentos, pensamentos escritos por um escritor mas pensados por gente viva que parece morrer ao nascer e por isso duvidamos.
Nenhum Olhar põe tudo dentro de nós, fazendo-nos descobrir que já lá estava, o tudo, dentro de nós. Por isso é descoberta de quem encontra uma nota no bolso dum casaco, mas uma nota que já não circula e no entanto, ali está ela, ao vivo e a cores, na nossa mão e reconhecemos-lhe o valor mas sabemos não ser aceite. Mas existe e está ali.
Nenhum Olhar é um livro ao contrário, de dentro para fora. De dentro do leitor para fora dos olhos do leitor, como se vomitássemos a vida abrasadora dos personagens e sentíssemos a azia da solidão, do silêncio, da vida.
sábado, 12 de junho de 2010
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