sexta-feira, 25 de junho de 2010

Olá vagabundo

Olá vagabundo
Isto pretende ser um suspiro, não uma resposta às tua missivas. Impossível seria, no espaço que tenho agora, tentar, sequer, responder, mas não consigo evitar e assim, rapidamente, em pensamentos soltos. Perguntas se o que escreves faz sentido. Não faz outra coisa! Quem te deu a ti, marinheiro vagabundo, autorização para em mim entrares e, ao abrigo da distância, talvez com medo da minha fúria, deitares cá para fora as minhas preocupações, as minhas reflexões, certo é que trabalhadas e mimadas pelas palavras que usas, deixa-me dizer que és um abusador, coitados dos dicionários que terão que conter ainda mais termos para te alimentarem o vício de usares todas as palavrinhas que lá estão, não esquecendo nenhuma e a todas tratas por igual e eu fico encantada por te ler.
Vibro com os nomes das terras que me mandas e que não consigo dizer, soletro como uma criança que não sabe ler ainda, mas faço-o com o prazer de alguém que avista um navio e vai conseguindo ler o nome gravado na proa e, de repente, já consegue ler tudo e é mesmo aquele que estava à espera e chegou e está ali… e… para além das reflexões sociais que terão a sua devida resposta, ai Deus como eu gosto desta arte epistolar e como me faz bem ser nela correspondida, mas dizia eu, para além das tuas preocupações, para que corro as livrarias em busca de alimento escrito por viajantes, com encadernações mais ou menos insinuantes e atractivas, para quê? Responde-me!
Tenho-te a ti! E sou uma pessoa sortuda, a encarnação do próprio Gastão! Repara, eu tenho um escritor de viagens que me escreve na primeira pessoa, para mim e em tempo útil, real, tenho um escritor que usa e abusa da linguagem e não se faz rogado com as palavras lindas e esquecidas da nossa pátria, que reflecte e faz julgamentos acertados no meu entender, que me faz descrições de sítios que me obrigam, ah, sagrada obrigação, a fechar os olhos e a marcar na agenda da minha vida uma viagem a esses lugares, sabendo que, quando for, me sentarei num qualquer banco onde, tempos atrás, um certo vagabundo se sentou também, aquecendo aquele lugar levando-me antes de ir, criando uma dimensão intemporal, transportando-me para sítios límbicos (sim, é mais uma palavra para o teu dicionário) mas que existem e eu estou aqui e lá, ah sim, estou lá, longe daqui, em Oslo, em Kiel, na cabeça de quem escreveu os poemas, de quem pensou o que me lês no jornal de antes de ontem mas que hoje não pode ser mais actual, quem sabe se amanhã não será ainda mais, porque existe uma ligação, um tracinho, como os que usamos em certas palavras, para ligar quem fala, a quem se dirige a conversa, entre quem escreve e quem lê e quando se consegue colocar o mundo de permeio, mas o mundo não é estático!, não, não é nenhuma fotografia, é algo em acção, que se mexe, como eu quase consigo ver as tuas linhas, em movimento e eu sou levada por esse movimento também, ai queria tanto fazer-me entender, mas não consigo e daqui não sairá nada, será que vais entender uma palavra no meio desta pressa urgente?
Sinto-me no meio do mundo ao ler-te, vagabundo marinheiro, escritor, pensador, homem e pessoa. Deve faltar aqui qualquer coisa, mas ainda bem, pois mesmo que não houvesse mil motivos para te escrever de novo, arranjaria um que podia ser continuar a chamar-te nomes.
Mais um beijo, mais um abraço, à laia de pregão, como antigamente se fazia nas feiras que, ao ler-te, sinto-me num carrossel, qual criança feliz…
Camila

PS1: A ideia das cinco vidas espalhadas pelos cinco continentes… soberba…
PS2: lembras-te de em tempos termos falado na questão de doar o corpo para o Instituto de Anatomia? Já fiz o meu documento e estou orgulhosa de, um dia, espero que daqui a 150 anos, poder contribuir para o progresso científico. O senhor Miguel Freitas, meu pai e a dona Augusta Freitas, minha mãe, não gostaram da ideia como calculas, daqui a algum tempo vou conseguir convencê-los a fazer o mesmo! Em nome da ciência!

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